São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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"Mãe Preta" vira um sucesso na capital

ALBERTO HELENA JR.
DO ENVIADO ESPECIAL A PORTUGAL

Eis um dia que se insinua exaustivo: visita à Expo-98, ida a Caldas da Rainha, Óbidos, almoço no Cacilheiro, um pulo a Belém, para nos deliciarmos com os pastéis de Belém, e ao mosteiro de São Jerônimo, onde os padrezinhos enfiavam-se em cubículos de meio metro quadrado durante dias, tendo como testemunhas apenas a luz fraca de uma vela e o olhar de fogo de um Senhor implacável.
Por fim, como arremate, vamos ao fado, com bacalhau, bom vinho, bagaceira de cor e gosto do melhor conhaque francês, em casa recém-aberta, numa viela da Alfama, bairro centenário de Lisboa.
A jovem, de voz verde como o vinho que rega o peixe, mas apaixonada como só as fadistas de verdade devem ser, derrama-se numa melodia que soa familiar.
Está lá, num cantinho da memória, qual será? É brasileira, sim senhor, mas qual? A letra, por certo, é outra. Aos goles, ela vai se refazendo na minha cabeça, mas só toma forma definitiva quando o dono do pedaço confirma: é "Mãe Preta", uma toada que fez sucesso no Brasil nos anos 50, e que a imortal Amália Rodrigues, levou na bagagem quando por aqui esteve e deu-lhe outros versos.
Volto ao hotel a tempo de cruzar com o garçom, aquele que me prometera dar fim à angustiada saga do abridor de cápsulas.
E então, caso resolvido? "Ah, sim senhor, seu caso está resolvido, sim senhor." Como? "É, pois, a gerência, finalmente, admitiu que não há mesmo abridor de cápsulas algum no seu quarto de banhos, ao lado do espelho." Sim, mas e então? "E, então, que está resolvido: não há mesmo o abridor de cápsulas. E, com licença, que já venceu minha hora de serviço".
E lá se foi. Fui atrás, e estanquei na recepção, onde dois olhos atilados me espiavam sobre um sorriso juvenil.
Pensei cá com meus botões. Eis um jovem que haverá de dar um tiro nessa questão. Tem um ar esperto, moderno, resoluto e gentil. Então, lá vai: desfiei-lhe a novela, passo a passo, cena a cena, e seu sorriso, por fim, abriu-se num oásis de palmeiras em torno de cristalino laguinho.
"Ora, não se apoquente, cavalheiro. Tenho cá comigo a solução. Onde está? Está por aqui" -e ia falando enquanto procurava pelas gavetas na recepção. "Ah, pois tenho sim aqui, um saca-rolhas novinho em folha."
Saca-rolhas, não!
Ouvia ainda meu espanto reverberando, antes do desmaio inevitável.

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