São Paulo, segunda-feira, 15 de dezembro de 1997
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Douro preserva tradições do Porto

FABIANO CERCHIARI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Sem nenhuma dúvida, Portugal é, e sempre foi, conhecido por produzir ótimos vinhos. Por todo o país encontram-se vinhedos em quintas (fazendas) e quintais.
É costume de muitos portugueses, mesmo nos dias de hoje, produzir o próprio vinho de mesa para consumo diário.
Portugal também é famoso por ter tipos exclusivos de vinho, chamados de "denominação de origem controlada", como Verde, Bairrada, Dão. Entre todos, o vinho do Porto é, com certeza, um dos mais famosos do mundo.
Embora denominado do Porto, esse vinho é produzido na região do vale do rio Douro, cuja foz está localizada na cidade do Porto, tradicional centro exportador do norte de Portugal.
A região do Douro faz parte da história de Portugal. Não faltam referências arqueológicas e documentais de outras épocas que provam atividades vitivinícolas principalmente na era romana.
Na altura do século 17, o vinho do Porto teve grande expansão comercial internacional, graças às crescentes importações inglesas: o tratado de Methuen, assinado em 1703 entre Portugal e Inglaterra, dava tratamento aduaneiro preferencial ao vinho português no mercado inglês, em prejuízo dos vinhos franceses.
Ordem e progresso
Esse aumento nas exportações foi importante para a consolidação da vocação internacional do vinho do Porto. Foi nessa altura que se consolidou a prática de adicionar aguardente vínica aos vinhos do Douro, operação essencial para a alma e essência do vinho do Porto.
No século 18, o marquês de Pombal, ministro que reorganizou a economia portuguesa, tomou uma decisão inédita: delimitou as vinhas do vale do Douro, assinalando com marcos de granito as áreas de produção dos melhores vinhos, criando e regulamentando, em 1757, com quase dois séculos de antecedência sobre as grandes regiões vitícolas franceses, a primeira denominação de origem controlada estabelecida no mundo.
A Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro controlava o respeito às regras estabelecidas. Até então, nenhum outro vinhedo do mundo esteve dotado de um instrumento de controle tão rigoroso.
Em todas as regiões do planeta, as vindimas e o preparo do vinho são cheias de tradições e de festas, mas na região do Douro é algo inesquecível.
A região do Douro é muito árida, seca, com um clima de verão comparável ao do sertão do Nordeste brasileiro. A topografia das quintas é íngreme, o solo, pedregoso, com intensa ocorrência de xisto, a rocha que dá ao vinho da região as suas características únicas.
A colheita dos cachos de uvas é tradicionalmente executada por mulheres, enquanto o transporte dos cestos colhidos -pesando 60 quilos e até mais- é reservado preferencialmente aos homens, ainda que as mulheres também realizem essa tarefa.
É trabalho duro, especialmente pelas condições do terreno, mas você pode ouvir uma canção. Geralmente na voz de uma mulher.
Fermentação
Os grãos são esmagados em lagares (prensas). E o mosto, o sumo resultante que dará origem ao vinho do Porto, irá sofrer uma fermentação idêntica à de qualquer outro vinho. A diferença é que, ao atingir a doçura desejada, interrompe-se o processo de fermentação por meio da adição de aguardente vínica, destilada a partir do próprio mosto de uvas.
Essa técnica dá ao vinho do Porto um teor alcoólico superior ao dos vinhos de mesa comuns.
Por isso, não é recomendável beber o vinho do Porto durante as refeições, mas apenas como aperitivo ou digestivo.
Apesar de atualmente esse processo de esmagamento e fermentação ser feito em prensas e cubas de aço inoxidável, o método tradicional da pisa não foi abandonado por completo nas adegas.
Dentro do lagar, submersos até o meio das pernas, envoltos no mosto rubro e quente, os homens pisam os grãos cantando ao ritmo marcado pela sanfona e pelo tambor. Você pode visitar as quintas para assistir à vindima.
É possível, com certa dificuldade, conseguir autorização da adega para participar da pisa. A sensação do contato das pernas e dos pés com o mosto, a música, o ritmo, e também alguns tragos, tornam inesquecível esse trabalho.
Algumas das mais reputadas quintas consideram ainda hoje uma questão de prestígio vinificar à moda antiga os melhores vinhos.
Papel do Porto
O vinho preparado repousa até a primavera seguinte, quando é transportado, em caminhões-pipa, até as caves do Entreposto, na cidade de Vila Nova de Gaia, fronteiriça à cidade do Porto, dela separada pelo Douro -entre as pontes que unem as cidades está a Maria Pia, finalizada em 1877.
Todo o vinho do Porto destinado ao mercado tinha de ser engarrafado e expedido a partir do Entreposto, que é um bairro de Vila Nova de Gaia e onde, a partir do século 18, se instalaram obrigatoriamente todos os armazéns dos primeiros comerciantes.
Atualmente, a comercialização pode ser feita a partir da região demarcada, onde, aliás, já há vinhos produzidos e engarrafados na própria quinta.
No entanto, as caves do Entreposto continuam em funcionamento, permitindo visitas para degustação e compras.
Apenas um lembrete, refira-se à cave sempre como armazém e nunca como fábrica, o que é considerado ofensivo.

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