São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Invasões de propriedades

PEDRO DE CAMARGO NETO

A proposta do sr. João Pedro Stedile de invadir bancos foi rechaçada pelo sr. Luiz Inácio Lula da Silva. As invasões de terra realizadas pelo MST recebem apoio do Partido dos Trabalhadores. É interessante comparar a diferença entre invasões de propriedades, quer sejam no meio urbano ou rural.
No passado, movimentos sociais sofreram forte reação contrária quando pretenderam estender para o meio urbano os métodos utilizados no campo. Invadir em desrespeito à lei só tem justificativa no campo. Tem até outro nome: é ocupação. Invadir habitações, supermercados ou bancos continua se chamando invasão e é inaceitável.
A atuação dos movimentos sociais dos trabalhadores rurais foi enquadrada pela sociedade como desobediência civil e, como tal, com justificativa moral, apesar de conter ações ilegais.
Pode-se quebrar a lei ao procurar corrigir uma injustiça, mesmo quando um governo escolhido em eleições justas falha em corrigir essas injustiças. O movimento estaria atuando no sentido de persuadir a sociedade a ver e sentir essa injustiça.
A sociedade, aparentemente, justifica a transgressão no campo considerando o que vê como uma história que criou grande pobreza para milhões. Também teria proporcionado vasto e injusto poder político a grandes proprietários. A invasão de propriedade urbana não recebe este enquadramento.
Transgredir a lei, desrespeitar o direito de propriedade, só no campo. Só é desobediência civil quando recai sobre o proprietário rural. As invasões de prédios públicos dos órgãos responsáveis pela reforma agrária tradicional até existem, mas são condenadas pelo governo.
O Brasil, indiscutivelmente, é um país injusto. Seria mais injusto no campo do que na cidade? A estatística segundo a qual 1% da população tem 45% das terras é sempre lembrada. Uma sociedade democrática que não corrige essa distorção exigiria pressões ao arrepio do Estado de Direito para mudar.
É preciso avaliar o uso de uma estatística que mistura terras agricultáveis com vastas extensões da região amazônica, com pouca ou nenhuma capacidade de produção, ou mesmo de moradia, com a atual tecnologia. Infelizmente, a distribuição de renda no Brasil é ainda pior do que a de terras. O que, ao que parece, ninguém quer aceitar.
A proposta para atuar na questão social do campo, dentro do que se chama de reforma agrária, é praticamente a mesma para o governo, para o movimento social e para a sociedade brasileira.
Insiste-se há muitas décadas em intervir por meio das desapropriações e assentamentos. Não seria isso um problema? Escolhido um método ineficiente, nunca se terá o necessário progresso, apesar de toda a prioridade.
Dirá o movimento social que o método é eficiente e não caminha em virtude do poder político dos grandes proprietários e da lentidão do Poder Judiciário. Dirá o governo que tem nesse método sua principal intervenção social no campo, que é o que a sociedade deseja.
Discordo, pois a lentidão da Justiça é a mesma das cidades e o volume de terras arrecadadas para a reforma é muito maior do que a capacidade do Estado de organizá-las.
Parece-me claro que o importante é sair desse impasse, ampliando as políticas públicas e os métodos de intervenção na procura de justiça social no campo. Isso é o que, realmente, a sociedade deseja.
É preciso refletir: os vertiginosos desemprego e empobrecimento rural e a crescente marginalização do pequeno proprietário são fruto de ações dos grandes proprietários ou da ausência de políticas públicas eficientes para o campo?
Não se trata de fazer com que a invasão de propriedades rurais deixe de ter o apoio da sociedade, perdendo a condição de desobediência civil. O que é preciso é modernizar rapidamente as políticas públicas, criando condições para que de fato as graves injustiças, tanto nas cidades como no campo, sejam corrigidas.

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