São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Uma nova abordagem econômica

LUÍS NASSIF

O problema central da análise econômica brasileira é a incapacidade dos especialistas, em geral, de analisar a economia a partir de uma abordagem multidisciplinar.
Para demonstrar a insuficiência da velha forma de pensar a economia, confira-se um episódio exemplar, posto que considerado o ponto máximo da criatividade do economista brasileiro nos anos 80 e 90: os planos econômicos contra a inflação inercial, dos quais o Cruzado foi o primeiro e o mais expressivo.
Especialistas em "inflação inercial" sugerem uma série de medidas em sua área de conhecimento: a troca de uma moeda inflacionada por uma moeda estabilizada (pelo menos na partida). Acabam por algum tempo com a inflação. Sem inflação, emerge uma economia totalmente diferente da economia anterior. Cada setor passa a ter um novo comportamento, alterando o equilíbrio existente previamente e gerando novos problemas, que não existiam no quadro anterior.
Os economistas pensavam apenas no estoque de velhos problemas e se propunham a resolver um deles. A solução gerou um outro ambiente, com novos problemas não previstos, que a equipe econômica não consegue trabalhar, porque não dispunha de conhecimento para esses temas específicos.
Análise do Cruzado
Visto hoje dentro de uma concepção "sistêmica" (visão que não se tinha naquela época), o drama do Cruzado obedeceu à seguinte lógica:
Atividade interna
Antes - Tinha-se uma economia em expansão moderada, depois da recessão de 1983 e 1984. Não havia investimentos, devido ao ambiente incerto. A inflação também estava em expansão, comendo ganhos reais de salários, e impedindo o aquecimento da demanda.
O problema - Com a estabilização inflacionária e o aumento de 8% nos salários houve superaquecimento da economia, que era fechada e oligopolizada. Portanto, deveria fazer parte da lógica interna intrínseca do Cruzado tratar do aumento da oferta, seja via importações ou aumento de investimentos.
Mas o plano não previa nenhuma alteração nos mecanismos de comércio exterior, nem programas de ampliação de investimento, nem sequer estudos estimando o "lag" entre aumento de demanda e aumento de oferta.
Área externa
Antes - Havia superávits comerciais que garantiam saldo de reservas cambiais e a manutenção da política cambial, fundada nas prefixações.
O problema - Com o aquecimento da demanda interna, e a valorização do câmbio, as exportações acabaram sendo desviadas para atender ao mercado interno. As importações aumentaram. Gerou-se um déficit comercial que consumiu as reservas cambiais. A antiga política cambial revelou-se inadequada para administrar a oferta de dólares, e a moratória foi inevitável.
O aumento das exportações era fundamental. Mas não havia um especialista em comércio exterior para fornecer subsídios para uma política de estímulo às exportações, nem especialistas para proporem nova política cambial. Aliás, esses problemas nem sequer foram previamente identificados.
Quadro político
Antes - Apesar da desagregação da base partidária do governo, em períodos de crise aguda sempre há uma propensão do Congresso em atender às solicitações do Executivo, em nome da sobrevivência nacional.
O problema - Com a interrupção do processo inflacionário, criou-se falsa euforia entre os parlamentares, que aumentaram desmedidamente suas reivindicações, já que não tinha a retórica do "perigo iminente" para refreá-los.
Em nenhum momento a concepção teórica do Cruzado contemplava essa possibilidade, para a qual, na época, seus formuladores haviam sido alertados pelo economista americano Thomas Sargent. Havia um ministro com carisma -Dilson Funaro-, com capacidade de mobilização popular e política, mas com um discurso confuso, posto que não previsto nas formulações teóricas do plano.
Novos rumos
Obviamente, trata-se de uma crítica a posteriori, à luz de conhecimentos que se incorporaram mais tarde à análise econômica. Mas essa maneira de ver a economia continua muito presente. A política de juros de 1995 obedeceu a essa mesma análise linear, desconsiderando os efeitos da medida sobre o equilíbrio econômico como um todo, e fragilizando sobejamente a economia.
Aproveitando os recursos da Internet, convido especialistas de diversas áreas que estejam dispostos a analisar a economia de uma lógica sistêmica a me escreverem, para a montagem de um grupo interdisciplinar experimental.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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