São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 1997
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Cartunista quer fidelidade à origem underground

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cartunista Angeli falou à Folha sobre sua participação no projeto "Angelitos" e sobre a difusão internacional de seu trabalho.
(JGC)
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Folha - É a primeira vez que alguém propõe transformar suas tiras em desenho animado?
Angeli - Outras propostas surgiram anteriormente, mas foram projetos que não saíram do papel. Agora, pela primeira vez, a coisa está andando mesmo. Os produtores já fizeram até um "pilotinho", um esboço de animação.
Folha - O que achou do piloto?
Angeli - Achei bastante agradável. Eles mantiveram a integridade do meu traço e conseguiram ser fiéis ao ritmo de leitura de uma tira de jornal. A animação não tem aquele monte de efeitos que muitas vezes deturpa o desenho original. Mantém o meu traço meio áspero, meio tosco.
Folha - E as adaptações de suas tiras para outros meios?
Angeli - Teve uma com atores na TV Bandeirantes. Entre os atores estavam o Ary França, o Laerte Sarrumor, do grupo Língua de Trapo, que fazia o Bob Cuspe.
No teatro, no ano passado, levaram a Rê Bordosa, que era interpretada pela Beth Erthal, mas eu briguei com a produção, nem fui ver a peça. Eles ganharam na Justiça o direito de encenar.
Folha - Qual vai ser sua participação na realização de "Angelitos"?
Angeli - Nenhuma. Tenho péssimas experiências de trabalho em grupo. Sou meticuloso e ciumento com minhas coisas, acabo sempre atrapalhando.
Neste caso, o que vou fazer -e está até definido em contrato- é vetar ou aprovar. Posso querer mudar a voz de um personagem, a roupa, as cores...
Folha - Você teme que a virulência das suas tiras seja domesticada para atingir um público maior?
Angeli - Não. Pelo que eu vi, o pessoal da Anima Nostra quer manter a identidade do meu trabalho, que tem uma coisa meio áspera, de origem underground.
Acho que uma experiência como a do "Beavis & Butthead", na MTV, mostra que é possível manter uma certa identidade e conseguir sucesso comercial.
Talvez exista a dificuldade de mostrar a Rê Bordosa cheirando uma carreira, mas vai ser possível mostrar que esse é o mundo em que ela vive.
Folha - Você já é conhecido em Portugal? Como seus trabalhos são recebidos lá?
Angeli - Publiquei um livro dos Skrotinhos lá. A revista "Chiclete com Banana" também sempre vendeu bem em Portugal. Eu recebia muitas cartas, trabalhos de novos desenhistas que se diziam influenciados por mim. Recebi cartas do movimento punk e até de skinheads.
Faz um ano que minhas tiras são publicadas no "Diário de Notícias", de Lisboa, e estão sendo muito bem aceitas.
Folha - Você já pensou em fazer roteiros para animação?
Angeli - Coordenei a realização de um roteiro para um longa-metragem de animação com meus personagens Wood e Stock, que deve ser feito no ano que vem. Quem vai fazer é o Otto Guerra, que tem um estúdio de animação em Porto Alegre e realizou o longa animado "Rock & Hudson".
Folha - A animação é um campo real de trabalho ou ainda é muito incipiente no Brasil?
Angeli - Quase não existe. A animação brasileira está muito ligada à publicidade. Além do Otto Guerra, não tenho notícia de estúdios de animação que tenham projetos fora da publicidade. A animação é muito cara. Não existe campo, não existe mercado.
Folha - Você considera seus personagens universais o bastante para interessar a outros públicos?
Angeli - Nunca pensei em fazer personagens universais. Sempre imaginei que meus personagens eram paulistanos. Mas a revista italiana "Linus" publicou meus desenhos e constatou que eles tinham tudo a ver com o público italiano, principalmente o Bob Cuspe (que virou Bob Sputo), o Bibelô...
Acho que eles são personagens de qualquer grande cidade, de qualquer metrópole.

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