São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
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Proposta inadmissível

ANTONIO CARLOS SPIS

A redução de jornada -sem redução de salários- é uma reivindicação histórica da classe trabalhadora em todo o mundo. Uma das greves mais famosas de todos os tempos, a dos trabalhadores da indústria de Chicago, em maio de 1886, foi justamente para reduzir a jornada de 16 para 8 horas diárias.
Os operários sofreram forte repressão da polícia -seis trabalhadores foram mortos na passeata de 1º de maio e oito foram presos dias depois, sendo cinco deles condenados à morte na forca. Em 1890, o Congresso americano acabou sancionando uma lei que reduzia a jornada para oito horas.
No século 20, a luta por uma jornada de trabalho mais humana também foi vencida à custa de muita mobilização, greves e sacrifícios. As 40 horas semanais foram uma das principais bandeiras sindicais do pós-guerra.
No Brasil, em 1985, os sindicatos cutistas organizaram lutas que culminaram na redução da jornada de 48 para 44 horas semanais, consolidada na Constituição de 1988.
Na mesma época, os trabalhadores de regime de turno ininterrupto também se mobilizaram até conquistar a jornada de seis horas na Constituição.
Hoje, quando o principal desafio no mundo inteiro é combater o desemprego, a redução de jornada de trabalho volta à ordem do dia. Trata-se de uma maneira de gerar mais empregos, após duas décadas de reestruturação produtiva nas empresas terem jogado milhões de trabalhadores na rua.
Na Alemanha, em 1995, após seis semanas de greve nacional, os trabalhadores do IG Metall conseguiram reduzir a jornada para 35 horas semanais.
Neste ano, na França, o premiê Lionel Jospin anunciou um programa de combate ao desemprego que inclui a redução da jornada de 35 para 32 horas semanais obrigatoriamente para daqui a três anos -e incentivos fiscais para as empresas que implantarem a redução antes disso.
Aqui no Brasil, a CUT tem uma proposta para redução de jornada sem redução de salários, publicada em março deste ano. É um projeto fundamental para o nosso país, que tem cerca de 10 milhões de desempregados e mais de 15 milhões de trabalhadores sem carteira assinada -enquanto as empresas obtiveram ganhos de produtividade da ordem de 45% nos últimos seis anos.
A CUT propõe, entre outros itens, a redução imediata da atual jornada máxima de 44 horas para 40 horas semanais, sem redução salarial, o que geraria 3,6 milhões de novos empregos.
Infelizmente, o governo Fernando Henrique Cardoso, que tem se pautado pela precarização cada vez maior dos direitos trabalhistas, pela imposição do arrocho salarial e por uma política econômica que gera demissões em massa nos setores privado e estatal, não tem interesse em ouvir propostas de geração efetiva de emprego.
O que vemos hoje, com a crise econômica gerada por um governo que deixou o país totalmente vulnerável à especulação financeira internacional, é um desemprego recorde -16,5%, segundo o Dieese. O empresariado brasileiro e as multinacionais instaladas no país reclamam da política de juros altos, da recessão que derrubou as vendas e anunciam milhares de demissões.
Nós, trabalhadores, também criticamos a política econômica do governo, mas não nos sensibilizamos com o choro das grandes empresas. Sabemos que a maioria delas tem condições de se manter na crise -só não querem diminuir suas margens de lucro.
Na hora de cortar despesas, em vez de buscarem alternativas dentro de seu orçamento, não têm dúvida: punem, como de hábito, os trabalhadores.
É inadmissível a redução de salários num país como o Brasil, em que os trabalhadores ganham mal e sofrem com o arrocho e perda do poder aquisitivo. Apesar disso, o governo FHC está incentivando acordos que reduzem o salário e não move uma palha para averiguar a real situação financeira das empresas nem para estudar outras opções.
FHC declara que não tem nada a ver com isso. Pudera. Esse governo só se preocupa em dar boas condições para os especuladores internacionais, bonificar parlamentares governistas ou retirar os já escassos direitos dos trabalhadores e aposentados por meio de reformas na Constituição.
Para agravar ainda mais a situação dos trabalhadores, a reboque das propostas de redução de salários vem a discussão sobre os projetos do governo para reduzir o FGTS e para instituir o contrato temporário de trabalho. Tudo isso sob uma alegação falaciosa de que os encargos trabalhistas no Brasil são muito altos.
Ora, o custo da mão-de-obra no Brasil é de míseros US$ 2,68 por hora, no setor manufatureiro, enquanto na Coréia é de US$ 4,93, na Espanha, de US$ 11,73, nos EUA, de US$ 16,91, e na Alemanha, de US$ 24,87 (números fornecidos pela Organização Internacional do Trabalho).
Claro que o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC não pode aceitar a proposta da Volkswagen reduzindo salários. Mas nem por isso assume uma postura de simples negação. Os metalúrgicos já estão apresentando uma série de propostas alternativas, a fim de solucionar o problema sem que se precise recorrer a demissões.
Todos fariam a sua parte: a empresa, aceitando reduzir seus preços e sua margem de lucro; os trabalhadores, flexibilizando temporariamente a sua jornada; o governo, criando incentivos a exportações e abrindo uma linha de crédito especial às empresas, entre outras idéias.
Enquanto isso, a Força Sindical, verdadeiro braço do governo, liderado pelo pefelista Luiz Antonio de Medeiros, não hesita em fechar um acordo com o sindicato das empresas de autopeças, em que se reduz em 10% o salário dos trabalhadores, com a desculpa de que isso evitará o desemprego.
Essa tese caiu por terra no mesmo dia em que os jornais anunciaram o acordo, quando a Cofap anunciou demissões. Ou seja, muitas empresas do setor de autopeças vão demitir independentemente desse acordo, enquanto outras, que não estão em crise, vão querer reduzir o salário para aumentar seus lucros. Enfim, um acordo lamentável, que poderá causar uma epidemia de redução de salários.
Felizmente, os metalúrgicos do ABC, cutistas, têm consciência de seu papel histórico. Em vez de sucumbir ao terrorismo das empresas e do governo e aceitar a humilhação do corte de salário, partiram para a discussão com a sociedade e para a mobilização.
O perigo das demissões ainda é real. Mas os trabalhadores sabem que a redução de salário não vai proteger os empregos, e muito menos gerá-los. Com salários ainda mais baixos, o povo deixará de consumir e a recessão só irá aumentar.

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