São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
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O destino do saneamento básico

JOSÉ LÚCIO LIMA MACHADO

Por mais que se tente explicar, ninguém consegue entender. Por meio da resolução nº 2.444, publicada duas semanas depois do crash, o Conselho Monetário Nacional reduziu drasticamente os recursos do FGTS que estavam destinados para a área de saneamento básico.
De uma previsão inicial de R$ 2 bilhões, que seriam repassados em 1997 pela Caixa Econômica Federal, sobraram apenas R$ 319 milhões. Montante que, a rigor, só será suficiente para atender as necessidades de financiamento de 4 Estados dos 26 existentes no país, além do Distrito Federal.
A justificativa não poderia ser menos convincente. De acordo com as autoridades de Brasília, a medida está inserida no contexto do pacote econômico estabelecido pelo governo para conter os gastos públicos e aumentar as receitas fiscais.
Argumento razoável para quem não conhece os mecanismos da economia brasileira. É de domínio público que os recursos do FGTS não fazem parte do Tesouro, muito menos do Orçamento da União.
As verbas do FGTS sempre existiram para ser empregadas prioritariamente nas áreas de habitação e de obras de saneamento básico. Portanto, não poderiam ser contabilizadas para fins macroeconômicos, como arma para equilibrar a balança comercial e o déficit público.
A menos que esses recursos já estivessem comprometidos para outros fins -o que parece uma improbidade totalmente remota, não compatível com a imagem de seriedade e lisura do atual governo federal.
O mais surpreendente é tentar compreender as duas faces do governo. As mesmas autoridades que criam o contingenciamento dos recursos do FGTS para o setor de saneamento público, por meio de uma resolução, estão oferecendo, via BNDES, financiamentos para as empresas privadas que queiram ingressar na área. Em sua quase total maioria, sem a menor tradição e experiência na área de saneamento básico.
Existe, porém, outro aspecto ainda pouco esclarecido. Trata-se do não-cumprimento das normas que regem a utilização do FGTS. Pelas diretrizes ainda vigentes, a destinação dos recursos deve ser discutida e aprovada por um conselho curador, de caráter tripartite, formado por representantes do governo, dos trabalhadores e das empresas.
Ao que tudo indica, a decisão do CMN foi unilateral, atendendo aos interesses do governo, que momentaneamente parece esquecer o valor social do saneamento básico.
A sociedade sabe, por exemplo, que financiamento para o saneamento básico significa obras, trabalho, empregos, melhoria da qualidade de vida da população, benefícios para a saúde pública e desenvolvimento. Em muitos casos, em regiões onde a carência de sistemas eficientes de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos representa evasão dos setores produtivos, sejam industriais, comerciais ou agrícolas.
Agora, resta explicar também para a sociedade que as obras iniciadas ou em licitação com recursos previstos no FGTS deverão ser paralisadas e, portanto, gerar desemprego. Como o governo justificará que o destino dos recursos que as empresas recolhem em nome dos trabalhadores foi decidido sem o consentimento e aprovação das demais partes interessadas?
Ou melhor, o que dizer diante do fato de o governo ter cortado os financiamentos para o saneamento básico exatamente em 1997, eleito como o ano da saúde no Brasil, justamente quando se sabe que não se pode falar em saúde pública sem avaliar a eficiência do saneamento básico?
É difícil acompanhar a lógica do governo. Principalmente, em face dos estudos referendados pela Organização Mundial da Saúde que dão conta de que as doenças de veiculação hídrica, como a diarréia, são responsáveis pela maior parte das internações hospitalares e da mortalidade infantil.
Não perceber a importância de contar com um saneamento básico mais eficiente nem as razões que levaram as administrações federais anteriores a vincular os financiamentos do setor aos recursos de cunho social gerados é o que não dá para explicar.

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