São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Ciência e empirismo na economia

LUÍS NASSIF

Na coluna de ontem, procurei demonstrar (a posteriori) a insuficiência da análise econômica linear na formulação do Plano Cruzado. Vamos a alguns exemplos recentes, para fortalecer esse conceito da necessidade de substituir as análises especialistas da economia por equipes multidisciplinares, que tragam subsídios variados para compor uma visão sistêmica da realidade.
Em geral, a formação acadêmica convencional padece de dois vícios. O primeiro, o da visão especialista, que faz com que o analista minimize todos os sinais que não venham de sua área específica de especialização. O segundo, a incapacidade de observar e tirar conclusões da realidade. A realidade só passa a existir depois que um pioneiro a transporta para uma tese acadêmica.
Obviamente não se defende que a ciência seja substituída pelo empirismo ou pela intuição, longe disso. O que se sustenta é que, em processos de transformação profunda, como nos tempos atuais, é impossível que todas as novas informações estejam quantificadas e colocadas em forma de estatística, ou consolidadas em novos padrões de análise.
Se não estão, exige-se da equipe de vôo uma visão estruturada, multidisciplinar, sistêmica, para captar os sinais das diversas fontes da economia, saber inter-relacionar as informações com bom senso e criatividade, para separar os sinais relevantes dos ilusórios. E, principalmente, não ter medo de interpretar a realidade de maneira não convencional.
Essa capacidade não existe na análise econômica linear e tem sido a principal causa de erros que têm custado muito caro ao país -da excessiva abertura econômica do segundo semestre de 1994 à política de juros de 1995.
Pouso visual
Em geral, nossos formuladores movem-se exclusivamente por instrumentos previstos no manual, em um avião -o Brasil- que não tem instrumentos estatísticos adequados e está trilhando novas rotas não mapeadas, exigindo pouso visual. Por isso, acabam quase sempre apanhados no contrapé.
Exemplos recentes
No segundo semestre de 1994, quando os superávits comerciais começaram a ser destruídos, alertei que era apenas o início do processo. Consumada a abertura, os importadores levariam algum tempo para pegar a embocadura, conhecer novos mercados e estabelecer relações com parceiros comerciais externos. Terminado o aprendizado, o crescimento das importações seria exponencial.
Na ocasião, um futuro ministro da área econômica me ligou, indagando se tinha lido os trabalhos de um certo economista de Harvard, que estava justamente estudando esse fenômeno. Cheguei a essa conclusão não por nenhuma notável capacidade de discernimento, nem por estar em linha com as últimas novidades do pensamento econômico mundial, mas apenas porque perguntei e um grande atacadista me confirmou essa impressão.
Não fui o único nem mesmo o primeiro a alertar para esse fenômeno. Mas essa informação, disponível e essencial, não mereceu consideração porque ainda não havia sido processada, trabalhada, quantificada e sistematizada nos centros produtores do pensamento econômico mundial.
Juros assassinos
O mesmo ocorreu em maio de 1995, com a injustificável política de juros adotada. Qual a lógica dos juros altos? Obrigar as empresas a reduzir seu endividamento e seus estoques.
Ora, as empresas aumentam seu endividamento e seus estoques quando existem perspectivas de crescimento de suas vendas. Desde janeiro de 1995 essas perspectivas não mais existiam. Os bancos começavam a estipular limites para o crédito e as empresas batiam em retirada, de volta para o patamar anterior de estoques. Bastaria um pequeno aperto adicional nos juros para se conseguir a redução do nível de estoques e de atividade, sem gerar o mais irresponsável passivo da história recente do país.
As estatísticas até existiam -demonstrando a redução líquida do nível de empréstimos bancários antes mesmo da explosão dos juros-, mas não estavam incorporadas às formas convencionais de desenhar cenários econômicos.
A renovação da análise econômica nacional vai passar pela capacidade dos jovens economistas fugirem dos manuais, reaprenderem a pensar de maneira sistêmica e a trabalhar realidades complexas. Ampliar o escopo de conhecimento, trafegar pela microeconomia, pelas novas técnicas gerenciais, pelas realidades regionais e setoriais, pelos mercados financeiro e monetário, pela política e pela análise psicossocial não é dispersão de esforços: é condição essencial para entender a economia e fazer, de fato, ciência.

E-mail: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: O destino do saneamento básico
Próximo Texto: CNI prevê que setor crescerá menos de 1%
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.