São Paulo, quarta-feira, 17 de dezembro de 1997
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REDUZIR JUROS

O ministro da Fazenda, Pedro Malan, anunciou que o governo tem a intenção de reduzir as taxas de juros em janeiro e de continuar nessa trajetória ao longo de 1998.
Há uma célebre expressão em inglês para essa atitude: "wishful thinking". É o "pensamento positivo" que, segundo os místicos, tem o dom de atrair bons fluidos e influenciar o rumo dos acontecimentos.
Há um mês e meio, em 30 de outubro, o governo dobrou os juros na tentativa de evitar a fuga de investidores do país. Alguns dias antes, um ataque especulativo no mercado de Hong Kong abalara Wall Street, centro financeiro norte-americano, levando pânico ao mercado mundial.
No Brasil, além da alta dos juros, o governo lançou um pacote fiscal para garantir aos credores internos e externos que teria como pagar a conta dos juros mais altos.
Mas nem o ministro nem as demais autoridades da área econômica parecem místicos, embora por vezes se disponham a correr riscos. No caso da queda dos juros, a aposta começou já no início de dezembro, quando houve uma primeira redução de 3,05% ao mês para os atuais 2,9% (ou 40,92% ao ano, uma das mais elevadas do mundo). Antes da crise, os juros eram da ordem de 1,5% ao mês.
Alguns bons motivos sugerem que os riscos dessa aposta diminuíram um pouco nas últimas semanas. Embora o fim da crise financeira asiática pareça distante, houve o anúncio do pacote do FMI e seu endosso por parte dos candidatos a presidente da Coréia do Sul. O governo coreano liberou a taxa de câmbio, que se valorizou, assim como a Bolsa.
São sinais de confiança, ainda que o mundo continue convivendo com a sombra ameaçadora de uma moratória coreana ou mesmo de uma desordem financeira mais grave na própria economia japonesa.
Mas é na saúde da economia norte-americana que se encontra a principal razão para acreditar num cenário menos assustador nas próximas semanas. Ontem, confirmando a expectativa dos mercados, o banco central dos EUA manteve inalterados os juros. Os indicadores continuam apontando para uma economia capaz de crescer com inflação baixa.
A recuperação da economia mundial e a superação da crise asiática serão lentas, mas ao menos há sinais de que a instabilidade pode se reduzir. Mas a aposta de Malan na queda gradual dos juros também conta com fatores domésticos favoráveis.
Nas últimas duas semanas houve um fluxo positivo de recursos externos para o Brasil. A alta dos juros servia em primeiro lugar ao objetivo de sustar a sangria de reservas internacionais. A redução dos juros vai se tornar viável quando esses fluxos se tornarem regulares.
Em segundo lugar, deve-se notar que, se o governo mantivesse o ritmo de redução mensal dos juros ensaiado entre novembro e dezembro, a economia voltaria às taxas de antes da crise apenas daqui a uns 11 meses.
Na prática, supondo-se a melhora gradual do ambiente externo, é mais razoável imaginar que o governo acelere a redução dos juros. Afinal, daqui a cerca de nove meses a população estará indo às urnas. E eleição não combina com recessão.
Outros fatores positivos podem ser arrolados. Além do pacote fiscal em si, que em última análise mostrou aos credores que o governo é capaz de criar um consenso mínimo em favor do ajuste interno, avançou a votação da reforma administrativa.
E, já depois da crise global, ocorreu um início de flexibilização do mercado de trabalho. É também um elemento positivo pois, aos olhos dos investidores internacionais, o ajuste de um país é sinônimo da viabilidade da redução de custos, ainda que a um custo social nada desprezível.
Por fim, também no período recente, em que eram cruciais as demonstrações de compromisso do país com o ajuste fiscal, o governo manteve o cronograma das privatizações.
A redução gradual dos juros é o que os economistas chamam de "sintonia fina". Crer na sua continuidade é uma demonstração de "pensamento positivo", sujeito às intempéries globais. Em seu favor está o fato de que o governo agiu -em boa hora- em vez de novamente ficar apenas torcendo para tudo dar certo.

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