São Paulo, quinta-feira, 18 de dezembro de 1997
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Que bom se o país tivesse um Congresso...

ALOYSIO BIONDI

Pra começo de conversa: estão inventando essa história de que o Japão, para ajudar os bancos e o sistema financeiro do país, está criando um Proer, "igualzinho ao do Brasil". Dizem até que o presidente FHC vai utilizar a "imitação" japonesa como um argumento, na campanha para a reeleição, para mostrar que o governo brasileiro estava certo, ao emitir bilhões de reais para socorrer os bancos.
Calma com o andor. O Japão vai injetar dinheiro no mercado financeiro, sim. Mas o caminho escolhido é o inverso dos métodos adotados pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Aqui, o Banco Central fez a intervenção nos bancos e depois "vendeu" a parte lucrativa dos bancos a grupos privilegiados -a preço de banana, com empréstimos a juros favorecidos. O governo doou a parte lucrativa dos bancos. E ficou com a "parte podre", isto é, com os prejuízos.
E no Japão? O governo não vai socorrer bancos e instituições irrecuperáveis. Nem vai "doar" nada aos compradores. O governo vai comprar ações dessas instituições com problemas, injetando recursos em seus cofres, para possibilitar sua recuperação. Isto é, quando elas voltarem a dar lucros, o Tesouro japonês estará participando desses lucros -e poderá vender, com lucros, as ações compradas neste momento de crise.
Exatamente o caminho que esta coluna defendeu, sucessivas vezes, quando houve as vergonhosas "doações" do banco Econômico, Nacional, e outros, a grupos "compradores". No Japão, haverá "apoio" ao mercado. Mas sem o Tesouro, isto é, os contribuintes, ficarem com a "parte podre". Nada a ver com o Proer da equipe FHC/BNDES, campeã mundial da socialização dos prejuízos e privatização dos lucros. Isso não aconteceria em uma democracia, isto é, em um país que tivesse um Congresso Nacional.
Rabo entre pernas
Na semana, o impávido Congresso Nacional brasileiro cometeu um ato de inimaginável bravura e resolveu investigar a recompra, pelo Banco Central, de R$ 6 bilhões em títulos do governo que haviam sido comprados por bancos, grandes aplicadores, investidores estrangeiros, especuladores.
Em bom português: no auge da "crise das Bolsas" houve a ameaça de "quebra" de instituições, grandes aplicadores, investidores estrangeiros que haviam feito negócios bilionários -para ganhar bilhões- não apenas nas Bolsas, mas nos mercados de dólar e "apostas" em taxas de juros. O governo FHC -como foi divulgado "escondidinho" no noticiário- não hesitou: saiu em auxílio do "mercado". Banco Central, BNDES, Banco do Brasil, fundos de pensão desembolsaram bilhões e "salvaram" os pobres bilionários. Uma das operações de socorro, foi, exatamente, "recomprar" aqueles títulos.
É essa operação que o bravo Congresso Nacional quer conhecer em detalhes. Vai criar uma CPI para investigar toda a manipulação e os bilhões que o governo vem despejando nas Bolsas, mercados futuros etc...? Apurar nomes de bancos, investidores, estrangeiros e nacionais "salvos"? Ora, por quem sois. O heróico Congresso Nacional aprovou apenas uma tímida "solicitação" para que a investigação seja feita... pelo Tribunal de Contas da União. Quanto espírito cívico, né?
Pilhagem permanente
Manchetes recentes noticiaram medidas do governo Fernando Henrique Cardoso para reduzir a especulação no mercado financeiro. Aquela história da "alavancagem", já analisada por esta coluna: bancos e instituições financeiras (e, atenção, seus clientes...) fechavam contratos nas Bolsas, mercados futuros, de valor igual a até dez vezes o seu capital (ou patrimônio). Brincadeira bilionária, pois bastava uma "alta de 10% para os felizardos realizarem lucros de 100%, isto é, dobrarem o capital ou patrimônio. A equipe FHC/BNDES reduziu os limites permitidos para essas explicações. Aplausos para ela? Não. As medidas agora anunciadas levam a uma conclusão totalmente diferente: por que o governo Fernando Henrique Cardoso tolerou essas operações bilionárias até a "quebra" -e que levaram o governo (os contribuintes) a socorrer o mercado outra vez? Resposta: o relacionamento entre a equipe econômica e o mercado financeiro e as operações realizadas nos últimos anos são um episódio vergonhoso na história do país. Mereceriam uma CPI. Mas, para isso, é preciso que haja um Congresso Nacional no país. Infelizmente, não é o caso.

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