São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 1997
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Violência e moralidade no futebol brasileiro

FERNANDO CAPEZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O mais recente episódio envolvendo o jogador Edmundo reabre mais uma vez a polêmica sobre equivocadas concepções e maus exemplos na direção desse esporte no Brasil.
Para quem ainda não se inteirou do assunto, o jogador recebeu o terceiro cartão amarelo, após ter atirado a bola contra um zagueiro adversário, ficando, por obra da legislação disciplinar, automaticamente suspenso da última partida, a finalíssima entre Palmeiras e Vasco.
Ocorre que, após ter incorrido nesse ato de indisciplina, praticou outro muito mais grave, agredindo o zagueiro palmeirense Cléber, fato definido não apenas como infração disciplinar, mas como contravenção penal (vias de fato).
Curiosamente, pela lógica moral de nossos dirigentes, é justamente esse ato muito mais grave que vai possibilitar ao atleta disputar o jogo final.
Ou seja, a cúpula da CBF, da qual os auditores fazem parte, homens de confiança que são do presidente da entidade, ensina que agredir o adversário é muito mais vantajoso do que simplesmente praticar condutas inconvenientes, punidas com amarelo.
Pior, o senhor presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, abrindo mão da necessária e imprescindível imparcialidade, praticamente constrangeu seu colega de instância inferior (Tribunal Especial da CBF) a marcar o julgamento para sábado, a fim de que, posteriormente, possa favorecer, por meio de uma liminar de moralidade e legalidade duvidosas, o Vasco, clube de seu Estado, o Rio.
No entanto, qual a importância se a liminar foi abusiva ou não, depois que o jogo já foi realizado? Se a liminar foi legal ou não, se atentou contra o senso de justiça ou não, o que valeu mesmo foi colocar o Vascão completo contra a equipe de São Paulo.
Ademais, embora seja princípio constitucional o do amplo acesso ao Poder Judiciário, segundo o qual, qualquer pessoa que se sentir prejudicada pode recorrer à Justiça em defesa de seus direitos, o todo-poderoso João Havelange, presidente da Fifa, proíbe terminantemente que os clubes recorram à Justiça comum, ameaçando-os com a simples desfiliação.
A soberania do Brasil? Ah, isso é um mero detalhe. Poderíamos também lembrar que o atual presidente do STJD, em sua gestão, jamais concedeu uma liminar. Mais. Há dois anos, quando o Botafogo do Rio, time do seu coração, decidiu o Brasileiro com o Santos, o mesmo e atual presidente do STJD não titubeou em negar a liminar solicitada pelo clube paulista, pela qual pretendia que o jogador Wagner atuasse naquela final. Ora, se o jogador Wagner não mereceu a liminar, por que Edmundo, portador de péssimos antecedentes, haveria de merecê-la? A Constituição não diz que todos são iguais perante a lei? O torcedor, a essa altura deve estar se indagando, no affair Santos-Wagner-Botafogo, se a situação fosse inversa, o auditor negaria a liminar? É também estranho o julgamento ter sido antecipado para o sábado quando o art. 55 do Código Disciplinar da própria CBF diz: "considera-se prorrogado o prazo até o primeiro dia útil imediato se o vencimento cair em sábado, domingo ou feriado, ou quando não haja expediente na entidade". Julgamento, portanto, só em dia útil. Quem diz isso? O regulamento da própria CBF. Esse, portanto, é o momento de protestarmos contra a subsistência desse tribunal de exceção, que desobedece à composição determinada pela Lei Zico e pela lei Pelé e, vez ou outra, acirra regionalismos que pensávamos não mais existirem no Brasil. Essa mentalidade de que o bacana e o esperto são aqueles que levam vantagem passa ao torcedor é um péssimo exemplo, e, sem dúvida, contribui para a desordem e a violência entre os torcedores.

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