São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 1997 |
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Blues do deserto
LUIZ ANTÔNIO RYFF
O CD ganhou o Grammy de melhor álbum de world music em 1995, premiando o trabalho de Touré em que o violonista recebe uma mão do guitarrista norte-americano Ry Cooder, que toca e produz o disco. "O destino é fatal. Quanto melhor for o trabalho, mais ele será recompensado pelo todo-poderoso", disse Touré, um mito em Mali, mas até então um desconhecido no outro lado do Atlântico. Renomado bluesman, Cooder tinha alguma fama mesmo entre o grande público, que o conhecia pelas trilhas sonoras que fez, entre elas "Paris, Texas" e "A Encruzilhada". "Talking Timbuktu" também conta com participações do gaitista Clarence "Gatemouth" Brown, do baterista Jim Keltner (Roy Orbinson, entre outros) e do baixista John Patitucci (Chick Corea, Stan Getz etc...). Touré acabou de gravar um CD (o 14º), que deve ser lançado no início de 1998, mas é justamente "Talking Timbuktu" que chega agora ao Brasil. "A participação de Ry Cooder não mudou em nada a minha música. Mas, quando se adiciona açúcar no mel, é para deixá-lo ainda mais doce. Foi isso que fez o sucesso do disco", afirmou Touré à Folha, por telefone, de Bamako (capital de Mali). Cooder foi apenas mais um a descobrir o talento de Touré, que já havia se apresentado com os guitarristas B.B. King e Carlos Santana e gravado com o bluesman Taj Mahal e com os irlandeses do Chieftains. Touré costuma ser comparado ao guitarrista John Lee Hooker, com quem já tocou. "O que ele faz é música africana. Seus antepassados deixaram a África e ele não pôde conhecer as raízes. Ele continua com o tronco e as folhas. Nós ficamos com as raízes e o tronco." Apesar dessa afinidade, não aprecia muito ser enquadrado como "desert blues", como fizeram os críticos. Prefere dizer que é fiel à tradição africana. "A palavra blues, para mim, é insignificante. Não me diz nada. Mas o deserto é diferente. Posso te dar a biografia de cada ar, a história e a lenda. Dentro do deserto há os rios, a savana, as plantas e há o espaço. E quando, no meio de tudo isso, você olha o céu e a terra, você encontra inspiração. O deserto é meu território. E, antes de tudo, minha inspiração, minha filosofia, minha biografia e minha história." 'Lugar onde vive o rei' Apesar do sucesso, ele não pretende se mudar para a Europa, onde sua carreira teria maiores chances de progredir. Recusa-se a deixar Mali ("lugar onde vive o rei", em bambara, a língua nacional). Prefere ser um entre os 10 milhões de habitantes a engrossar a lista de compatriotas que tentam fugir de um PNB de US$ 300 per capita e de uma mortalidade infantil de 88,3%. "Quando você deixa seu país, perde as forças e raízes", justifica ele, que, como 94% dos seus compatriotas, é "100% muçulmano". Aos 59 anos, ele só se ausenta por, no máximo, dois meses durante um ano. Não dá nem tempo de sentir saudade de seus 11 filhos e duas esposas. "O Mali me dá tudo. É aqui onde me sinto realmente à vontade. Estou me lixando para o Ocidente", diz. Para vê-lo tocando, é mais fácil ir para Mali. "Para conhecer verdadeiramente uma pessoa, é preciso ir à sua casa." "Além disso, você conhecerá coisas bem diferentes das que viveu no Rio", brinca ele, que mora em Niafounké (pronuncia-se Inhafenquê), a 815 km da capital, na borda do Saara, mas à beira do rio Niger. Definida como cidade grande por Touré, Niafounké tem cerca de 3.000 habitantes. Longe de ser uma megalópole. "Mas para a gente é bom assim", ri. Próximo Texto: CD é 'Paris, Texas' do Saara Índice |
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