São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 1997
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Heinrich Harrer questiona ação pelo Tibete

EDUARDO SIMANTOB
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com um lapso de 44 anos, o livro "Sete Anos no Tibet", do escritor austríaco Heinrich Harrer, teve sua primeira edição brasileira publicada neste mês pela L&PM.
Em fevereiro, Harrer ficará ainda mais conhecido no país com o lançamento do filme homônimo, com Brad Pitt encarnando o papel do escritor.
Harrer ganhou fama em 1953, ao publicar o relato de sua dramática jornada rumo à cidade proibida de Lhasa, capital do Tibete, à época da Segunda Guerra Mundial.
Poderia ser mais um relato de aventuras, do tipo que infesta as livrarias do mundo todo, não fossem alguns detalhes. Harrer foi um nazista de primeira hora e campeão de esqui nas Olimpíadas de Munique, em 1936. Foi também professor do Dalai Lama e um dos primeiros militantes pela libertação do Tibete do domínio chinês.
Em entrevista concedida por telefone de Liechtenstein, Harrer comentou seu "passado negro" e suas impressões sobre o movimento de libertação do Tibete, recém-descoberto pelo mundo pop.
*
Folha - O senhor esteve no Brasil em 1967. O que procurava aqui?
Heinrich Harrer - Passei o verão daquele ano com os índios Xingu, no Mato Grosso. Viemos fazer três documentários para a TV alemã. Fomos acompanhados por dois irmãos, pessoas incríveis de quem não recordo os nomes...
Folha - Os sertanistas Orlando e Cláudio Villas-Boas?
Harrer - Exatamente. Eles tinham muito cuidado em evitar uma penetração mais violenta da cultura ocidental naquelas tribos. Espero que estejam vivos ainda.
Folha - O senhor tem sido saudado em diversas publicações como "o último explorador". Na sua opinião, há ainda lugares a serem explorados no planeta?
Harrer - Mesmo onde o homem nunca pôs o pé, os satélites já rastrearam tudo. Eu não diria que há lugares inexplorados, mas culturas que ocasionalmente são descobertas. Mas o espírito mudou muito. Os grandes exploradores, os primeiros montanhistas, tinham motivações puramente científicas.
Folha - E como o senhor vê os montanhistas de hoje?
Harrer - Eu penso imediatamente no "Guinness Book of Records" e acho péssimo. Já escalei picos no mundo todo, mas a diferença é que fazíamos isso por prazer, nunca por motivações políticas ou por dinheiro.
Folha - Ao contrário da maioria dos relatos de exploradores, seu livro deixa claro seu distanciamento em relação à cultura e religião tibetanas, com uma visão até bem crítica da sociedade local...
Harrer - Veja bem: a maioria dos exploradores ficava apenas alguns meses nos lugares "descobertos", pelos quais logo se apaixonavam. Se ficassem um ano mais, apagariam tudo o que tivessem escrito quando chegaram.
Folha - O senhor se considera um homem religioso?
Harrer - Eu nunca virei budista, mas aprendi a ser mais tolerante. Porém o budismo não era exercido só como religião, mas como a base de todo o poder político do país. As pessoas são muito devotadas ao Dalai Lama, mas o clero é uma poderosa empresa política.
Folha - E como o senhor vê esses movimentos, abraçados por vários artistas, pela libertação do Tibete?
Harrer - É difícil identificar quem é sincero de fato. Não quero dizer que são todos oportunistas, mas acho que o Dalai Lama se envolve demais com essas pessoas.
O diretor Jean-Jacques Annaud comentou que o Tibete é tão pouco conhecido que, se perguntássemos a um americano se ele sabe quem é o Dalai Lama, responderia: é o amigo do Richard Gere.
Folha - E o que o senhor achou do filme de Annaud?
Harrer - Annaud esteve comigo três vezes. Mas não fui consultado sobre nada. Apenas fiz dois pedidos. Um, que Peter Aufschnaiter (companheiro de Harrer no Tibete, morto em 1972) tivesse o mesmo peso que meu personagem. E que o filme fosse uma mensagem pela independência do Tibete.
Folha - O senhor passou a Segunda Guerra longe da Alemanha. Quais foram suas impressões ao voltar para a Europa devastada?
Harrer - A primeira coisa que tive que fazer foi me apresentar à polícia e responder a longos interrogatórios. Era fato notório que eu fazia parte do Partido Nazista e que era membro das SS (tropas de elite nazistas). E eu fiz um juramento que nunca mais mencionaria esse fato. Mas, agora, a história aparece nas revistas não sei com que intenção, sei lá se não são os chineses que estão por trás disso.

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