São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Voracidade insana

OSIRIS LOPES FILHO

O governo FHC age, mediante a utilização das MPs, como se a complacência do Congresso e do povo brasileiro fosse infinita.
Ainda nesta semana reeditou a MP nº 1.621-30, cuja identificação já demonstra uma vocação sadomasoquista da tecnocracia brasiliense. Desafia-se a opinião pública, pois a numeração indica tratar-se de eternização da provisoriedade da MP, reeditada pela trigésima vez. E ridiculariza o Congresso, enfatizando sua omissão, pela incapacidade de cumprir o seu dever, apreciando as MPs ou disciplinando a sua utilização, para dar um basta na usurpação da função legislativa.
Essa MP encerra contrabando. Introduziram-se dois artigos (32 e 33) inexistentes nas edições anteriores. Cria-se o que tecnicamente chama-se de garantia de instância na esfera administrativa. Para recorrer administrativamente, de decisão de primeiro grau, o contribuinte tem de comprovar o depósito de, pelo menos, 30% da exigência fiscal inicial (art. 32).
Essa disposição constitui incrível restrição ao direito de recorrer do contribuinte, configurando cerceamento do direito de defesa, e intolerável ofensa ao princípio da ampla defesa, consagrado no artigo 5º, inciso LV, da Constituição.
O abuso não se encerra aí. Se feito o depósito da garantia de instância e se o contribuinte no final for vencedor, não se prevê, por ocasião da restituição, nem a correção monetária, nem o pagamento de juros remuneratórios do capital depositado.
A voracidade argentária do governo federal se transforma em insanidade jurídica, no art. 33 da MP. Estabelece-se um prazo máximo de 180 dias, contado da decisão administrativa de primeiro grau, para que se postule judicialmente a desconstituição do crédito tributário.
Trata-se de restrição inconstitucional, pois limitativa do livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º inciso XXXV da C.F.), contrariando a razoabilidade dos prazos hoje existentes para propor ações previstas na legislação.
A MP representa mais uma fotografia catastrófica da falência administrativa do governo FHC. Incapaz de administrar com equilíbrio, justiça e rapidez os interesses do fisco, cumprindo o dever inerente à gestão da coisa pública, procura superar suas deficiências castrando direitos do cidadão-contribuinte, impondo regras inconstitucionais. É o império da insanidade legislativa e arrecadatória.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 58, advogado, é professor de Direito Tributário da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

Texto Anterior: Sinais de final de festa
Próximo Texto: China tenta ameaçar império tecnológico ocidental
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.