São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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China tenta ameaçar império tecnológico ocidental

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Poderia a China ameaçar a IBM ou a Compaq, produzindo e conquistando mercados mundiais de produtos intensivos em tecnologia? A resposta mais óbvia é não. Afinal, temos lido e ouvido insistentemente que os chineses especializaram-se na produção de bens intensivos em mão-de-obra barata.
Os casos de trabalho escravo ganharam as manchetes mundiais. É contra camisetas, brinquedos, cadeados ou ventiladores chineses que volta e meia levantam-se os empresários prejudicados no Brasil e em outras economias emergentes. Desde o início da crise asiática, evidentemente sem desconsiderar sua gravidade, tenho insistido nos aspectos tecnológicos e industriais do desenvolvimento asiático recente.
A crença no caráter intensivo em mão-de-obra barata do modelo chinês é outro desses mitos sobre a região que precisa ser revisto.
O alerta surgiu em abril deste ano numa reportagem da "Business Week". O fato é que empresas ainda desconhecidas, como "Legend Group", "Beijing Founder Electronics" ou "China Great Wall Computers", começam a ameaçar o império tecnológico ocidental.
Mais uma vez, a explicação para o fenômeno vai ser encontrada em políticas tecnológicas e industriais adotadas pelo governo chinês -há nada menos que 17 anos.
O processo é detalhadamente revisto num trabalho publicado em outubro pelo "Euro-Asia Centre" do Insead (o famoso instituto superior de estudos em administração em Fontainebleau, na França). Segundo Qiwen Lu, sociólogo de Harvard e autor do trabalho, o superávit comercial em bens eletrônicos ligados à computação passou de US$ 40 milhões em 1991 para um estonteante US$ 1,95 bilhão em 1995.
Em 1980, o comitê central do Partido Comunista Chinês e o Conselho de Estado decidiram reformar o modelo industrial soviético herdado. Formularam uma política que exigia ligações íntimas entre o parque industrial e as atividades de pesquisa científica e tecnológica.
Depois de muita discussão, um programa concreto começou a ser implementado em março de 1985. Houve a privatização dos institutos de pesquisa enquanto o governo dava incentivos para a modernização das empresas.
Novas empresas
Foram criadas novas empresas, a partir de recursos públicos. Foram criadas subsidiárias em Hong Kong, que passaram a exportar para o resto do mundo. Elas estiveram ainda entre as primeiras a terem ações colocadas na Bolsa de Hong Kong. Ainda assim (dialética chinesa?), continuaram sob controle do governo.
Para conseguir superar o atraso tecnológico, os fabricantes chineses de computadores fizeram alianças estratégicas com multinacionais japonesas e norte-americanas, além da incorporação da experiência de empresas compradas em Hong Kong.
A pesquisa de Qiwen Lu destaca algumas conclusões. A primeira é que não se pode alimentar uma obsessão com a privatização de recursos produtivos na transição de uma economia centralmente planejada para uma economia de mercado. É mais uma voz juntando-se aos que têm criticado as terapias de choque na transição a economias de mercado. E que adverte para a existência de formas de propriedade e administração de empresas mais diferenciadas que supõem nossas vãs filosofias.
Esse tipo de avaliação aos poucos ganha proeminência. É apoiado por economistas "ortodoxos" como Joseph Stiglitz e aparece em relatórios do Banco Mundial, nos quais a disseminação de empresas chinesas apoiadas no Estado e sobretudo em governos locais tem sido analisada.
No momento, as turbulências bancárias e os desequilíbrios macroeconômicos asiáticos estão em primeiro plano e até ameaçam a estabilidade financeira global.
Mas, antes de chegar a uma conclusão pessimista sobre o futuro dos modelos de desenvolvimento asiático ou sobre a sua capacidade de retomar o crescimento, é melhor conhecer de perto a revolução produtiva e tecnológica em curso na região.

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