São Paulo, domingo, 21 de dezembro de 1997
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Queima de arquivo

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - É extraordinária a pressa com que um punhado de acadêmicos, jornalistas e funcionários de organismos internacionais está cravando o último prego no caixão do chamado modelo coreano.
Ou é má-fé ou, na hipótese mais benigna, mais uma manifestação da cultura fast food que assola o planeta.
Aconteça o que acontecer no futuro próximo com a Coréia, o modelo produziu alguns fenômenos que são notáveis e, em princípio, indestrutíveis. Poderia citar uma infinidade deles, mas dois bastam:
1 - A Coréia foi o único país que passou, no curto espaço de uma geração (30 anos, pouco mais ou menos), do estágio de lamacenta nação de camponeses miseráveis para uma quase potência mundial.
2 - No percurso, fez uma revolução educacional que produziu recursos humanos não sujeitos a desvalorizações, ao contrário do won, a sua moeda, ou das ações de seus "chaebols", os grandes conglomerados.
Qual a mágica? No ano passado, em Seul, ouvi uma exposição detalhada de técnicos de um instituto coreano similar ao Ipea do Brasil. Quando terminaram, perguntei:
"Pela exposição de vocês, o sucesso coreano se deve, em grande medida, a doses cavalares daquilo que, hoje, é pecado aos olhos do liberalismo hegemônico (dirigismo estatal e protecionismo, por exemplo), não é?"
Os rapazes se entreolharam e, com um sorriso entre tímido e maroto, não tiveram remédio senão concordar.
Claro que não há modelo perfeito. É até possível, na teoria, que a aplicação pura e dura do receituário liberal produza um milagre semelhante ou até superior.
Na prática, falta a prova.
Enquanto ela não surge, a correria para sepultar o modelo coreano, enquanto ainda respira, embora com dificuldades, soa como uma espécie de queima de arquivo de uma experiência incômoda para os apóstolos do chamado "pensamento único".

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