São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
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'Sai diabo, sai em nome de Jesus', diz índia xavante

PATRICIA ZORZAN
DA ENVIADA ESPECIAL

O lema da Igreja Universal do Reino de Deus, "Jesus é o Senhor", escrito em xavante na parede do templo da aldeia Campinas (MT) -"Jesusi wanhi apito" (pronuncia-se Jezusi uani apitó)-, é um elemento significativo do tipo de penetração que os seguidores de Edir Macedo vêm promovendo entre os indígenas.
Estimulando a pregação religiosa na língua nativa da comunidade e formando pastores índios, a Universal conseguiu reproduzir na reserva cópias fiéis de suas reuniões nas maiores capitais do país.
Todas as noites, por volta das 18h30, o pastor índio Benjamim Sereza, 43, e suas duas obreiras se banham no córrego próximo à aldeia Campinas, vestem uniformes da Universal e se dirigem ao templo para a realização do culto.
No dia 16 de dezembro, com 1h10min de atraso e acompanhado por 19 seguidores, Sereza ligou seu gravador portátil e cantou hinos religiosos em xavante.
Até esse momento, somente dois homens participavam da cerimônia, o que, segundo o antropólogo da Funai (Fundação Nacional do Índio) Jorge Luiz de Paula, pode ser sinal de resistência em relação à presença da Universal na aldeia.
"A estrutura da sociedade deles é masculina. Não faz diferença se as mulheres estão lá. Se os homens não participam, talvez queiram manter uma certa independência", explica Paula.
O professor xavante Amadeu Paraúdza afirma que só vai aos cultos aos domingos. "Eu me canso." Já Antônio Tserewaádi, um dos caciques da Campinas, diz que não gosta de ir à igreja porque prefere beber e fumar, dois hábitos proibidos pela Universal.
Poucas mulheres da aldeia falam português e dificilmente alguma delas se aproxima de estranhos.
Exorcismos
Apenas a obreira Abigail Sinhoseehise aceitou falar sobre sua relação com a igreja. Ela diz que se mudou para a Campinas para se dedicar à Universal.
"Sentia dores nas costas e não podia nem me virar. Um pastor de Cuiabá tirou o demônio de mim. Quando ele saiu, eu fiquei leve. Por isso passei a trabalhar para Cristo", afirma.
Abigail diz não se lembrar de sua idade, mas descreve em detalhes as vezes em que fez exorcismos e salvou a vida de índios supostamente possuídos pelo demônio.
"Não é doença. É o diabo que põe agulha no coração para matar. Já falei muito para o diabo sair dos outros. Ponho roupa de obreira, oro e peço a Deus. Só ele cura."
Com a voz alterada e a teatralização típica dos seguidores da Universal, a obreira conta que já teve um encontro com satanás na aldeia. "Fui trabalhar na roça. O diabo bateu no coração. Perguntei: 'Quem está aí?' Uma voz respondeu: 'É o diabo'. Ele veio do céu para matar a gente. Eu disse: 'Sai diabo. Sai em nome de Jesus!' Ele caiu no chão. Não é mentira. Tinha a cara preta e o cabelo enrolado. Estava tremendo, ficou com medo de Cristo e fugiu. Queria me matar porque trabalho para Deus."
"Amém, Jesus"
O andamento do culto na aldeia, distante 50 km da cidade mais próxima, segue à risca o modelo praticado pela Universal em sua sede em São Paulo.
O pastor reza de olhos fechados, andando de um lado para o outro do altar. Obreiras puxam palmas dos fiéis e repetem, em português, os refrões que pontuam as cerimônias da igreja: "Graças a Deus", "Amém, Jesus" e "Aleluia".
Cerca de 40 índios estavam no templo no dia 16, quando, 30 minutos depois de iniciado o culto, Sereza fez seu sermão.
"Já escutaram a palavra de Jesus?", perguntou o pastor em xavante após sua exposição. "Sim", responderam os presentes.
Como todos os fiéis da Universal, os índios são estimulados a fazer ofertas em dinheiro à igreja. Embora nesse dia não tenha havido doações, o pastor diz arrecadar em média R$ 40 por mês.
A principal fonte de renda da Universal na aldeia são os aposentados, que, como trabalhadores rurais, recebem mensalmente do INSS um salário mínimo.
Segundo o professor Paraúdza, na falta de dinheiro, os pastores também recolhem e vendem peças de artesanato feitas pelos índios. Os recursos são enviados aos líderes da igreja em Cuiabá (MT).
A auxiliar de enfermagem Antônia Sueli Nobre, que mora na aldeia, afirma que os pastores brancos que visitam a Campinas chegam a levar bananas cultivadas pelos índios para a capital.
Chamamento
Recebendo R$ 200 mensais da Universal por seus serviços, o pastor Sereza explica sua vocação como um chamamento. "Estava quase morrendo, quando Deus me convocou para perto dele." Pastor desde 1992, ele foi consagrado na sede da Universal em São Paulo.
Marino Martins, administrador do posto da Funai na Campinas e primo do pastor, diz que a Universal se instalou na aldeia a seu pedido. "Dois netos meus estavam morrendo. Corri para várias igrejas, pedindo ajuda. Só a Universal foi até o hospital e fez orações. Agora eles estão bons. Por isso quis que ela viesse para cá."
Timóteo Tseredgutewedé, ex-pastor da igreja, diz que a Universal faz trabalhos em pelo menos mais três comunidades indígenas. Procurada pela Folha, a igreja não se manifestou.

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