São Paulo, domingo, 28 de dezembro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Disputa de consultorias vira caso de polícia

VANESSA ADACHI
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas multinacionais da área de consultoria empresarial, concorrentes no mercado mundial, estão travando uma disputa com troca de graves acusações em território brasileiro.
A história virou caso de polícia e é tema de um inquérito aberto há menos de 30 dias.
A italiana Value Partners, com sede em Milão, acusa a Bain & Company, sediada em Boston, nos Estados Unidos, de concorrência desleal.
No pedido de abertura de inquérito, os advogados da Value descrevem um plano que teria sido arquitetado durante meses para desviar toda a estrutura da empresa, seus funcionários, arquivos, projetos e clientela.
A clientela dá peso à história, por incluir nomes nada desprezíveis como Pirelli, Petrobrás, Abril e Olivetti.
O caso está sob investigação no 78º Distrito Policial da capital paulista.
A disputa começou a se materializar nos últimos dias de outubro, quando 20 dos 25 funcionários da Value Partners pediram demissão.
Entre eles, estava o sócio e responsável pelo escritório da empresa no Brasil, André Castellini.
Toda a equipe demissionária, que inclui desde gerentes e analistas de negócios até secretárias e recepcionistas, transferiu-se imediatamente para o escritório da Bain, que iniciou suas atividades no país em 1º de novembro.
André Castellini, desde então, tem se apresentado no mercado como vice-presidente da Bain do Brasil.
A Value Partners alega, no entanto, que não se trata de uma simples mudança de emprego.
"Os ex-funcionários da Value levaram para a Bain arquivos com toda a contabilidade da empresa, cópias de projetos, fichas para recrutamento de funcionários e cadastro de clientes", diz o advogado Miguel Reale Junior, que representa a Value Partners.
"A Bain agiu para chegar ao Brasil com tudo pronto para operar", completa o advogado.
A busca
No dia 19 de dezembro, uma equipe do 78º Distrito Policial vasculhou o escritório da Bain em São Paulo e apreendeu documentos e objetos referentes à Value.
Entre eles, disquetes com etiquetas contendo o nome Value, documentos internos da Value de apresentação a clientes, documentos da contabilidade da Value de 94 a 97, cadastro de clientes e fichas para recrutamento de funcionários da Value.
Foi encontrado ainda um extenso projeto da Bain para a Companhia Vale do Rio Doce, para quem a Value vinha desenvolvendo estudo semelhante na tentativa de tê-la como cliente.
Para Miguel Reale Junior, o projeto da Bain tem todos os elementos para ser um plágio do projeto da Value.
"Os documentos apreendidos comprovam a hipótese de concorrência desleal", diz ele.
Perícia
Todos os objetos apreendidos serão ainda alvo de uma perícia policial. Entre outras coisas, os peritos compararão os projetos encontrados na Bain para verificar se seu conteúdo coincide com projetos feitos para os mesmos clientes pela Value.
"Temos indícios de concorrência desleal. Ainda não temos provas", diz o delegado que está à frente do inquérito, Ricardo Arantes Cestari.
Segundo a Folha apurou, policiais ligados ao caso acreditam que está caracterizada a concorrência desleal, mas deve haver dificuldade para aplicação da legislação.
A lei nº nº 9.279/96, que trata de propriedade industrial de modo geral e da concorrência desleal em seu artigo 145, é recente e não existe jurisprudência.
BMG
Foi anexada ao inquérito uma cópia de projeto que teria sido encaminhado pela Bain & Company à gravadora BMG em novembro. O projeto, segundo Reale Junior, foi fornecido por um executivo da própria gravadora.
O projeto anexado é semelhante a outro produzido pela Value em agosto e que começou a ser implementado pela consultoria.
Além de propostas semelhantes, os dois textos têm frases com a mesma construção e palavras idênticas.
Depoimento
Em depoimento ao delegado Cestari, Filippo Fochi, funcionário que continua na Value, diz que outro analista, Marco Petruzzi, convidou-o a ir para a Bain, sob o argumento de que a Value Partners encerraria suas atividades no país.
Fochi também afirma ter sido responsável por copiar em um disquete de grande capacidade de armazenamento, conhecido por Jaz Drive, informações da clientela, dos projetos e de pesquisas da Value.
Segundo Fochi, o Jaz Drive desapareceu e ele foi informado por outra funcionária que o disquete fora levado embora porque havia sido adquirido com dinheiro da Bain.
Segundo Reale Junior, ligações telefônicas feitas dos escritório da Value no Brasil para a Bain em Boston comprovam que o plano já estava em andamento há, pelo menos, seis meses.
O advogado também argumenta que no cronograma de trabalho da Value no país todos os projetos, com exceção de alguns vindos da matriz italiana, tinham seu fim previsto para outubro. "Isso mostra que os funcionários já sabiam que deixariam a empresa nessa época."

Texto Anterior: Cenário conturbado
Próximo Texto: Acusada só vê "tempestade em copo d'água"
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.