São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 1997
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O que esperar de 1998

ANTONIO PRADO

Uma das mais interessantes questões levantadas no estudo da economia é a do papel do tempo. Para aqueles que bebem na fonte dos clássicos, há sempre um forte incômodo em considerar a relevância do tempo na análise econômica, a não ser em seu aspecto lógico, na sequência de causas e efeitos.
Já para aqueles que adotaram a crítica keynesiana ao pensamento clássico, o tempo adquire uma dimensão fundamental, influenciando os comportamentos e decisões, incorporando a dura realidade das incertezas.
Mas há um outro aspecto a ser lembrado: o da irreversibilidade do tempo. Se, por um lado, prever o futuro é o tormento do "homem econômico", por outro, perceber que suas decisões podem estar erradas e não podem ser modificadas sem um custo razoável, ou que simplesmente não podem ser revistas, é ainda mais angustiante.
Sob o peso desse mundo em que o relógio segue adiante, deixando que a história sedimente a criatividade ou a destruição da ação humana, somos convidados a olhar para o ano de 1998 e prever o que dele poderemos esperar. Nessa situação, o mais prudente é observar o que já foi feito e poder condicionar a sucessão de eventos possíveis.
Dispomos de alguns fatos. Há empresários, analistas econômicos nacionais e internacionais que afirmam que a moeda brasileira está sobrevalorizada. O governo, por sua vez, tem desqualificado essa tese.
No entanto, no início de 1995, após o colapso do então festejado forte peso mexicano, teve que mudar drasticamente a trajetória da economia, para enfrentar a fuga de dólares do país. Elevou abruptamente as taxas de juros, cortou o crédito à produção e ao consumo, desvalorizou o real e lançou o mecanismo de bandas cambiais.
Todas essas medidas, como não poderia deixar de ser, provocaram uma forte desaceleração da atividade econômica. E, após o crescimento do PIB ter atingido mais de 10% no primeiro trimestre, chegou a 4% na média do ano. Portanto, tivemos pelo menos um semestre de estagnação.
O desemprego na Grande São Paulo saltou, em um ano, três pontos, saindo de 13,2% em junho de 1995 para 16,2% no mesmo período do ano seguinte, atingindo recordes até então só verificados durante a forte recessão de 1992.
Não parece haver dúvidas de que a decisão de estabilizar a economia a partir de uma âncora cambial gera tensões crescentes. Por um lado, porque, na medida em que outros países que seguiram a mesma receita entram em crise, o vigor da nossa estabilização volta a ser economicamente contestado, por meio de fugas de capitais. Por outro, porque o financiamento dos déficits externos do país exige volumes cada vez maiores de recursos, com remunerações bastante generosas.
Os episódios recentes exacerbam as expectativas. O epicentro da crise foi na Ásia, e as ondas de choque chacoalharam os humores dos atores do teatro capitalista nativo. Em poucas semanas, bilhões de dólares vazaram das reservas internacionais do Brasil.
Rapidamente, o governo criou mecanismos pára-quedas para as Bolsas locais, dobrou as taxas de juros e lançou um pacote fiscal para garantir a solvência da dívida pública inflada por esses novos juros.
Essas medidas são todas potencialmente recessivas e, no mínimo, estarão desacelerando fortemente a economia em 1998. Se antes delas já estávamos com a atividade econômica diminuindo ao final de 1997, agora caminharemos para a estagnação no primeiro semestre do próximo ano ou teremos até crescimento negativo.
No que se refere ao desemprego, vale lembrar que suas taxas ultrapassaram recordes históricos antes da crise, cujo pretexto foi Hong Kong. Desse ponto de vista, espera-se que, em 1998, o desemprego se consolide em um novo patamar -maior do que o gerado pela recessão de 1992. Portanto, serão registrados recordes sucessivos de desemprego.
A situação pode melhorar? Isso dependerá dos eventos internacionais. Se não houver nenhuma outra grande quebra, na Ásia ou mais próxima, se as reservas internacionais do país se recuperarem, se os títulos da dívida externa se valorizarem em Wall Street, se os bônus internacionais de empresas brasileiras voltarem a ter mercado e se o déficit de transações correntes mostrar-se financiável, as taxas de juros reais começarão a cair em algum momento do segundo trimestre de 1998.
Mas, até lá, quem perdeu o emprego já terá sofrido todos os efeitos dessa tragédia, a empresa que quebrar terá desaparecido e a renda estará mais concentrada nas mãos de quem é remunerado com os atuais juros estratosféricos. A moeda talvez continue forte, mas a sociedade estará contando seus mortos.

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