São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 1997
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Inteligência na cadeia

GILBERTO DIMENSTEIN

Dificilmente poderia existir investimento pior. A sociedade brasileira paga R$ 500 por mês para manter um preso na cadeia.
De cada 100 deles, 85 voltam a delinquir e, pior, muitas vezes ainda mais violentos, contaminados pela promiscuidade patrocinada com dinheiro público. A sociedade paga, portanto, para ficar mais ameaçada.
A estatística americana é melhor -mas não muito. Metade volta a delinquir. Diante desse fracasso, o país aumenta as penas para deixar o indivíduo mais tempo na cadeia.
Não é uma decisão barata: aqui, cada preso sai por R$ 2.000 mensais, o valor de um professor universitário brasileiro.
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Uma notável experiência brasileira está ensinando como quebrar esse círculo vicioso -uma experiência que atrai, inclusive, interesse de estudiosos sobre segurança nos Estados Unidos.
A 81 km da cidade de São Paulo, em Bragança Paulista, um grupo de empresários, advogados, dirigentes sindicais, donas-de-casa e religiosos assumiu há quatro anos a cadeia pública.
Num convênio com o governo estadual, melhoraram a alimentação e as acomodações e promoveram assistência médica e psicológica.
Foram criadas oficinas para profissionalização, vendendo os produtos para empresas da região -as empresas oferecem monitores para converter marginais em trabalhadores, além de garantir a qualidade dos produtos.
Resultado preliminar: a taxa de reincidência dos ex-presos é de 25%, o que no Brasil beira o milagre.
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PS - Deixei para falar dessa experiência justamente no último dia do ano por considerá-la simbólica.
Quando a comunidade se envolve em parceria com o setor público, a eficácia do recurso social se multiplica. E o que é problema vira solução. Essa parceria é que vai mostrar as chances de o Brasil reduzir a exclusão -e não somente a boa vontade ou destreza dos governantes. Tão óbvio e tão pouco praticado.
Em nosso país, afinal, pessimismo se tornou profissão, pretexto para omissão e preguiça; apenas falar mal é saudado como "comportamento crítico"; e cidadãos que não fazem nada pela comunidade se imaginam autorizados a dissertar sobre ética pública e cobrar abnegação dos governantes.
Uma das boas notícias deste ano é que mais gente vê o pessimismo militante como sinal de indigência, não inteligência.

Fax: (001-212) 873-1045

E-mail: gdimen@aol.com

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