São Paulo, quarta-feira, 31 de dezembro de 1997
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Ano Novo e emprego

ANTONIO DELFIM NETTO

Nestes tempos de Júlio César, talvez seja curioso lembrar que foi ele quem, no ano 46 antes de Cristo, introduziu o calendário Juliano com o seu ano bissexto. Em 1582, o papa Gregório 13º criou o calendário Gregoriano que suprimiu dez dias do calendário anterior, passando o dia 5 de outubro para 15. No calendário romano o ano se iniciava em 1º de março. Foi só depois do calendário Gregoriano que se convencionou, em alguns países cristãos, chamar o dia 1º de janeiro como o "dia do Ano Novo". Na Inglaterra isso só aconteceu em 1752. O primeiro dia do ano parece que desde os gregos já era comemorado como um dia de troca de presentes e propício para a sedução elegante dos poderosos.
Através do simbolismo do Ano Novo, o homem assume o papel de um animal exuviável mudando de pele sem mudar de forma: deixa no Ano Velho os seus defeitos.
O Ano Novo é o renovar da esperança que dentro da organização social em que vivemos, cada um encontrará um lugar para o exercício das suas potencialidades. Como o homem se explicita no seu trabalho, a grande esperança reside, então, na criação de oportunidades de emprego para todos. Infelizmente, não só o Brasil, mas o mundo inteiro está muito longe de transformá-la em realidade.
A partir dos anos 70 alguns fatos econômicos aumentaram dramaticamente as dúvidas sobre a capacidade da humanidade de realizar aquela esperança. O desemprego no mundo é hoje maior do que sempre foi e a distância entre as pessoas tem crescido exponencialmente, mesmo nos países onde ele é menor, como os EUA.
Esses eventos deveriam aumentar a nossa descrença sobre algumas das "teorias econômicas modernas" que se crêem portadoras da verdade absoluta e que prometem a felicidade em troca de uma receita preparada para agradar os mercados financeiros. Os acontecimentos asiáticos mostram que os mensageiros dessas verdades são mais volúveis que a "cosa mobil per natura" (as mulheres) a que se referiu Petrarca. Aprendemos com o sr. Camdessus, o simpático diretor-gerente do FMI, que a "teoria econômica moderna" a que ele se aferrava, até ontem, com certeza, determinação, vontade e poder, não passava afinal de mera "moda". O modelo asiático (que ele queria nos empurrar garganta abaixo) que em setembro deste ano foi saudado em prosa e verso pelo FMI em Hong Kong, "passou da moda", disse ele em novembro, sem nenhum constrangimento... Isso mostra que um pouco de ceticismo é mais seguro do que um pouco mais de credulidade.
Conta-nos Roy Harrod ("The Life of Maynard Keynes", 1951) que em 1945, ao propor um brinde, Keynes referiu-se aos economistas como "os que são depositários não da civilização, mas da possibilidade da civilização". O emprego para todos e o aumento da satisfação material é condição necessária para aquela "possibilidade de civilização", e deve, portanto, ser o grande objetivo da política econômica.
Trabalhar pelo pleno emprego é a única meta moralmente decente para os economistas a cada "Ano Novo", principalmente nestes "annus mirabilis" da reencarnação presidencial.

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