São Paulo, sábado, 1 de fevereiro de 1997
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O detetive Ed Mort chega às telas procurando o Silva

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Aos 45 anos, o cineasta Alain Fresnot, nascido em Paris e radicado em São Paulo desde 1959, tenta dar o grande salto de sua carreira.
Em maio estréia em todo o país a comédia policial "Ed Mort", com a qual Fresnot pretende sair do gueto dos "filmes de arte" e conquistar o grande público.
Nesta entrevista, o cineasta -que fez antes "Trem Fantasma" e "Lua Cheia"- explica como levou às telas o personagem criado por Luís Fernando Veríssimo.
*
Folha - Como você define seu "Ed Mort"?
Alain Fresnot - Tentei fugir da paródia e do humor em quadrinhos. É um filme bastante plural, mas acho que o dominante dele é ser um policial cômico, com um humor negro, corrosivo.
Folha - As crônicas e tiras do Ed Mort, de Luís Fernando Veríssimo, são fragmentadas, e você construiu uma trama amarrada. Como foi o processo de adaptação?
Fresnot - Comprei os direitos de adaptação em 1991, depois de ler um álbum em quadrinhos do personagem.
O trabalho básico de adaptação, feito com o José Rubens Chachá, foi encontrar o eixo narrativo, a espinha dorsal. Nas tiras, a estrutura narrativa era de apenas três quadrinhos. A cada 30 ou 40 tiras, a mesma estrutura tende a se repetir, ciclicamente.
Achei que cinematograficamente isso não funcionaria de jeito nenhum. Poderia dar um tipo de humor frenético, na linha de "Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu", no sentido de uma metralhadora de "gags". Não era o que eu queria.
Folha - Veríssimo viu o filme?
Fresnot - Ainda não. Estou muito curioso para saber o que ele vai achar. A gente procurou ser fiel e, para isso, teve que inventar e sair por caminhos estritamente cinematográficos.
Fizemos 14 versões do roteiro. A cada cinco ou seis eu mandava para o Veríssimo, pedindo sugestões. Ele foi muito simpático, no sentido de deixar o máximo possível de liberdade.
Algumas coisas ele sinalizou que não lhe agradavam, e eu não fiz. Outras, eu teimei e fiz, mas não vou dizer quais são, senão as pessoas vão direto nelas, para dizer que ele tinha razão (risos).
Folha - Você manteve a ironia paródica do original com relação aos detetives de policial "noir".
Fresnot - Mantive, mas não como esteio do filme. Um trabalho de que eu gosto muito e que é todo centrado nesse tipo de paródia é "A Dama do Cine Shanghai", do Guilherme de Almeida Prado.
Fazer isso de novo não seria interessante nem ficaria tão bom. Meu filme tem um pé nisso, mas tem um pé no pastelão puro e simples. Tem a história de amor quase naturalista entre o Ed (Paulo Betti) e a Cibele (Claudia Abreu). Ele alterna vários registros.
Folha - O personagem da Claudia Abreu é uma crítica ácida às apresentadoras de programas infantis. Como atriz de TV, ela não teve medo de se indispor no meio?
Fresnot - Ela é superprofissional, entendeu o personagem, mas sem dúvida estava bastante atenta para isso.
Eu sempre fiz questão de frisar para ela que não era uma crítica a "A", "B" ou "C". No fundo, era uma crítica a minha filha, que hoje tem 15 anos. Essa acidez parte da luta inglória e contínua que tive durante anos para conseguir arrancar minha filha da frente da televisão (risos). Parte dessa sensação doméstica de que a televisão contribui para a má formação das crianças. A Claudia se divertiu bastante e interpretou muito bem o papel.
Folha - É o filme em que ela aparece mais nua, não é?
Fresnot - Era, porque outro dia eu a vi na Globo numa daquelas adaptações de contos de "A Vida Como Ela É", do Nelson Rodrigues, e ela aparecia num rápido plano, digamos, de nu frontal superior (risos).
No meu filme, nós tivemos uma longa discussão sobre o tamanho e a cor da roupa íntima.
Sem falsa modéstia, a sensualidade da cena de sexo dela com o Paulo Betti está na "mise-en-scène" da sequência, no cuidado do enquadramento.
Folha - O filme tem locações muito características de São Paulo: as grandes galerias do centro, o aeroporto de Congonhas, bares de Pinheiros, Ibirapuera. Houve a intenção de fazer um filme paulistano?
Fresnot - Teve, sim. Já que a gente estava fugindo do cinema "noir" e da revista em quadrinhos, ficou como idéia-mestra do projeto mergulhar o personagem num tecido social muito concreto, na cidade grande.
Folha - Há um contraste entre a trama cartunesca e a ambientação realista.
Fresnot - Sim, com algumas exceções. Algumas coisas foram deliberadamente alteradas. Por exemplo, a boate. Rodei todas as boates de São Paulo e a estética dominante é o espelho, que é péssimo para filmagem, o carpete e a fórmica.

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