São Paulo, sábado, 1 de fevereiro de 1997
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Fadiga da compaixão

CLÓVIS ROSSI

Davos, Suíça - Dan Meridor, ministro israelense de Finanças, contou ontem a seguinte história real.
Em agosto de 1982, ele assessorava o premiê israelense, Menahem Begin, que havia ordenado o bombardeio do Líbano. Em dado momento, liga Ronald Reagan, o presidente dos EUA.
Conta que havia visto, na TV, a cena de uma menina muçulmana que perdera a mão em consequência do bombardeio. Reagan pergunta se Israel não poderia parar com os ataques.
Meridor descobriu nesse episódio a revolução em política externa que a TV está provocando, ao transmitir ao vivo, 24 horas por dia, sempre que há o que o jargão jornalístico chama de "breaking news" (notícias de impacto).
Todos os bilhões de dólares que os EUA gastavam (e gastam) com serviços de inteligência e espionagem, com a sua pletórica diplomacia, com o Conselho de Segurança Nacional, o diabo, não serviam para nada. O presidente agia apenas sob o impulso de uma cena de TV.
É o "efeito CNN", como o batizou Johanna Neuman, editora de assuntos internacionais do jornal norte-americano "USA Today" e autora de um livro sobre esse tipo de política externa "ao vivo".
Nada contra a TV e os telejornais. Mas tudo contra reações instantâneas de homens de Estado sob a pressão das imagens.
Até porque, como diz Neuman, a carga de imagens dolorosas (Somália, Haiti, Ruanda etc) está provocando uma "fadiga da compaixão".
Ou, em outras palavras, os substitutos de Reagan em todas as partes do mundo podem já não estar mais sob pressão de seus respectivos públicos para agir, justamente onde e quando seria mais necessário fazê-lo (a Bósnia é um bom exemplo).
Em tempo: Israel descobriu depois que a menina era menino, não era muçulmano, mas cristão, e que não perdera a mão. Sofrera apenas ferimentos leves.

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