São Paulo, sábado, 1 de fevereiro de 1997
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Economia solidária

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

O desejo de maior harmonia no relacionamento humano e da preservação da natureza ajudam-nos a perceber que a ânsia de acumular bens materiais é uma doença crônica, que há séculos vem lesando a humanidade, criando desigualdade social e tensões e conflitos sempre maiores.
A dignidade da pessoa humana requer que lhe seja assegurado um desenvolvimento integral e que todos possam ter as condições indispensáveis de alimentação, saúde, moradia, educação e acesso ao trabalho com salário justo. Essas evidências tornam-se até repetitivas. Não devemos, no entanto, ter receio de afirmá-las para que, com maior rapidez, possam se tornar realidade.
Diante dos desequilíbrios causados por uma política econômica frente às metas sociais, é fundamental proclamar que a "economia está a serviço da pessoa".
Por isso, as decisões e as instituições econômicas devem ser julgadas conforme sua capacidade de proteger e promover a vida humana, a família e os direitos que daí decorrem.
Compreende-se, portanto, que os dirigentes das Conferências Episcopais do Canadá, Estados Unidos e do Conselho Episcopal da América Latina, reunidos de 26 a 30 de janeiro deste ano, em Santa Lúcia, no Caribe, tenham considerado a "economia solidária" como exigência prioritária, à luz da doutrina social da igreja.
Com efeito, na América Latina, 44% da população capaz de trabalho não tem emprego conveniente, 70% dos economicamente ativos carecem da proteção social e mais de 30 milhões de crianças continuam trabalhando para sobreviver.
A sociedade tem o dever, por meio especialmente das políticas governamentais, de atenuar e corrigir essa situação. À igreja pertence colaborar na formação da consciência para a justiça e a solidariedade, empenhar-se na elaboração de leis adequadas e fomentar ações concretas e exemplares que promovam a devida transformação do modelo econômico.
Como fruto das reflexões apresentadas no encontro do Caribe, desejo salientar -sem dispensar outras soluções- a importância das experiências econômicas que privilegiam a ação comunitária, a participação responsável sob diversas formas de microprojetos, pequenas empresas, organizações populares, cooperativas entre famílias, movimentos e associações de bairro.
Essas iniciativas vão se multiplicando em todo o continente e resolvem, a curto prazo e com originalidade, muitos problemas de trabalho e sobrevivência da população empobrecida. Na perspectiva brasileira, é preciso insistir na urgência do programa agrário e agrícola verdadeiramente eficaz.
Lembro, nesse contexto, a conveniência de apoiarmos as escolas rurais alternativas de tipo familiar, que poderiam se difundir mais no Brasil, oferecendo tecnologia e incentivando a colaboração entre jovens agricultores, garantindo assim a sua permanência no campo. Em boa hora, neste ano o Ministério da Agricultura e a Fundação do Banco do Brasil estão financiando, em conjunto, pequenos projetos-piloto para melhor capacitação técnica dessas escolas.
Essas e outras formas de cooperação, na linha da economia solidária, em bem dos mais pobres, e a partir de sua própria participação, hão de atrair as bênçãos de Deus e ajudar-nos a construir uma sociedade fraterna.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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