São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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A reforma do tempo

JANIO DE FREITAS

A única reforma que houve mesmo, já entrado o terceiro ano do atual governo, é ignorada pelos meios de comunicação, que tinham a obrigação de a estar revirando e esmiuçando desde que se delineou; ignorada pelos políticos em geral e, em particular, pelos parlamentares; e desconsiderada, por não haver outro jeito, pelo reboque chamado opinião pública. É a reforma do tempo.
Uma verdade já idosa estabeleceu que parte do primeiro ano de um novo governo, quase sempre a metade do ano, é consumida com o aprendizado e o entrosamento da máquina de administrar e de fazer a política do poder. No último ano, a administração fica outra vez parcialmente emperrada e a política sujeita a condições especiais: é o ano de nova disputa eleitoral. Entre um extremo e outro é que um governante mostrava a que viera.
Assim a longa repetição tinha dividido o tempo administrativo e o tempo político de um governo, qualquer que fosse a duração do mandato. O de Fernando Henrique Cardoso começou, porém, com uma vantagem. A circunstância única de que Itamar Franco lhe concedeu poderes de primeiro-ministro, conservados mesmo quando deixou o governo para ser o candidato de Itamar à própria sucessão, poupou a Fernando Henrique os meses de aprendizado e azeitamento da máquina. Mesmo o seu time de imediatos passou de um para outro governo sem sentir.
Não era ainda a reforma que houve mesmo, com a marca de autenticidade do reformismo de Fernando Henrique. A velha verdade cronológica foi extinta. A nova divisão do tempo de governo começa por uma etapa, não mais de meia dúzia de meses, mas de dois anos. Os dois anos dedicados a introduzir o propósito de reeleição e, em seguida, às tentativas de fazê-la aprovar. Passa-se assim a primeira metade do mandato.
O primeiro compasso dos quatro necessários à aprovação dá-se, então, quando já iniciada a segunda metade do mandato. Ou o terceiro ano do governo. Mas não ainda de governo propriamente dito. Porque um período ainda imensurável deste terceiro ano será consumido, e talvez o ano mesmo o seja, com os restantes compassos necessários à reeleição. Um na Câmara, para segunda votação, e mais duas votações no Senado. O que, pelas previsões já divulgadas por políticos governistas, deverá acontecer lá por abril a maio, mais para o segundo. Metade do ano, quase.
Se, porém, o Senado alterar o texto recebido da Câmara, a alteração terá que ser votada outras duas vezes pelos deputados. E ainda há a possibilidade de que o Supremo Tribunal Federal seja convocado a opinar sobre a constitucionalidade da permanência de Fernando Henrique no governo, quando candidato à reeleição. As previsões mais otimistas ficam, portanto, em ainda meio ano dedicado à emenda da reeleição, com a persistente necessidade de segurar, na administração e na política, tudo o que não seja de estrita conveniência das votações restantes.
Digamos que tenha corrido tudo bem para Fernando Henrique: ao se iniciar o segundo semestre do terceiro ano do mandato, o seu governo poderá começar a governar de fato.
Seis meses depois, abre-se o quarto ano de mandato: o ano de apenas dez meses, o ano da administração condicionada pela campanha para a reeleição em 3 de outubro.
De quatro anos de mandato, a divisão reformada do tempo de governo concede formidáveis seis meses de administração e exercício do poder sem condicionamentos.
Se as urnas concederem a reeleição, Fernando Henrique terá três anos e meio, em oito anos na presidência, para governar de fato, se quiser e se capaz de fazê-lo. Caso as urnas não o presenteiem, de governo, mesmo, poderá fazer um semestre em quatro anos -com três anos e meio de mero jogo de cena.
Nada disso, aliás, tem a menor importância: o Brasil não tem urgências, nem mesmo pressa, tão poucos e miúdos são os seus problemas.

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