São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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'Perdi meus três filhos e um neto em chacinas'

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Ivone Silva de Araújo, 68, perdeu três filhos e um neto em dez meses. Entre março de 1994 e agosto de 1995, morreram Eduardo, aos 20, Fábio, aos 26, e Osmar, aos 34. Todos tombaram em chacinas.
Em todos os casos havia policiais, segundo ela. No caso de Fábio e Osmar, ela dá nome, sobrenome e patente -eles teriam sido mortos pelo soldado Eudes Aparecido Menezes, ainda segundo ela.
Ao saber que Menezes fora absolvido, Ivone diz: "O juiz está errado. Um rapaz aqui do bairro viu a moto do Eudes saindo do local da chacina".
Ela não se lembra do nome do tal rapaz e, sobre seu destino, diz que não mora mais na Casa Verde Alta, na zona norte de São Paulo, onde ocorreu a matança.
Perseguição
Ivone tem os fatos na ponta da língua, como se fosse uma lição que ela tivesse decorado. Diz que Menezes começou a perseguir seus filhos em novembro de 1993.
Dois garotos teriam dado risada quando o policial passava na rua e seu filho Fábio estava junto. Sobrou para ele.
"O Eudes invadiu minha casa, virou o sofá de ponta-cabeça, deu tiro e umas coronhadas na cabeça do meu filho Eduardo. Dizia que tinha encontrada cocaína em casa, mas foram os policiais que colocaram", conta.
O filho que levou as coronhadas foi à corregedoria denunciar Eudes. "Foi aí que os PMs começaram a matar os meninos. Morria um filho meu a cada cinco meses", diz Ivone.
Não foi só o deboche que teria provocado tanta desgraça, concede ela. Osmar, aos 20 anos, foi condenado por roubar um carro.
Ficou oito anos na Casa de Detenção e, quando saiu, não arrumava emprego.
Acabou virando "um pequeno traficante" de cocaína, como afirma Ivone. Fábio também tinha antecedentes. Aos 18 anos, foi apanhado furtando uma casa e acabou preso. Eduardo nunca havia passado pela polícia.
Cobrança
Os dois também vendiam pequenas quantidades de cocaína. "Eram mais viciados do que traficantes", define o pai, o motorista Nilson Cesário de Araújo, 67.
Todos davam algum dinheiro para a polícia fazer vistas grossas ao tráfico. Osmar foi assassinado, segundo o pai, depois que o valor do pedágio aumentou.
"Pediram R$ 1.600 para o meu filho. Ele foi falar com a traficante para quem trabalhava e ela não quis pagar. O Osmar corria quando via a polícia. Sabia que vinham tomar dinheiro", diz o pai.
Ivone afirma que o álibi apresentado pelo PM no inquérito é uma prova contra ele.
Menezes mostrou um atestado médico, assinado por médico de hospital militar, segundo o qual ele estava com a clavícula quebrada no dia da chacina.
A clavícula teria sido quebrada na chacina, quando Osmar atingiu o PM com um taco de bilhar, diz ela. "O dono do bar me contou isso", diz. A testemunha é morta -morreu de Aids.
(MCC)

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