São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997
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Regras em telecom ainda são incertas

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Visto como o mercado do próximo milênio por definição, as regras no setor de telecomunicações continuam intrincadas, inconsistentes e conflituosas em escala global. Mas também localmente nem tudo são rosas.
Na semana passada a Argentina deu um exemplo de como o processo de mudanças nas "teles" pode ser tortuoso e até traumático nos países menos desenvolvidos. Por decreto, o presidente Menem promoveu um aumento das tarifas telefônicas, que em alguns casos chega a 60%, provocando uma forte reação entre os consumidores e a oposição.
O ombudsman argentino, Jorge Maiorano, prometeu estudar o decreto assim que ele seja publicado no "Diário Oficial". Mas já se atreve a dizer que não está descartada uma ação contra o governo, pois o aumento de tarifas nas empresas telefônicas privatizadas "representa uma injustiça tremenda".
Sem entrar no mérito da questão, o fato é que o investidor estrangeiro, observando esse tumulto, certamente refletirá com seus botões acerca das fragilidades inerentes aos processos de privatização nos mercados "emergentes". Ele poderá olhar para o país vizinho, o Brasil, e ficar igualmente angustiado com os percalços crescentes na privatização da Companhia Vale do Rio Doce.
O mesmo Maiorano já diz em entrevistas que a decisão do governo "é o resultado da pressão que exercem os monopólios e os interesses econômicos".
Políticos da oposição, como Enrique Mathov (União Cívica Radical) e Juan Pablo Cafiero (Frente País Solidário, Frepaso), convocaram para amanhã as entidades de defesa do consumidor para delinearem um "plano de ação" contra a reestruturação tarifária.
As próprias empresas não deixaram por menos. Criticam o novo esquema de tarifas dizendo que haverá uma redução de quase 50% na sua rentabilidade anual. Isto porque o aumento foi forte nas chamadas locais, mas houve redução de até 83% nas tarifas sobre chamadas de longa distância.
Completando o clima aziago, o jornal argentino "Clarín" chamou a atenção em sua edição da última sexta-feira para o fato de que desde a privatização da Entel, em 1991, as novas empresas já acumularam ganhos de US$ 3,1 bilhões, "quase o dobro do que pagaram pela empresa estatal". As duas telefônicas argentinas são a Telefônica Argentina (capitais espanhóis e norte-americanos) e a Telecom (franceses e italianos).
Primeiro Mundo
Coisas de "Terceiro Mundo"? Nem tanto. Os conflitos no Primeiro Mundo são igualmente intrigantes. Na última quarta-feira, por exemplo, a União Européia (UE) divulgou sua proposta de tributar (com um imposto sobre valor adicionado) todas as empresas telefônicas não-européias que utilizam o sistema conhecido como "call back". A proposta, é bom lembrar, atende às reclamações de todos os 15 países membros da UE.
O sistema de "call back" permite que os consumidores liguem para um número nos Estados Unidos que retorna a ligação, automaticamente transferindo a tarifação para uma operadora norte-americana. Obviamente a tarifa de longa distância nos EUA é menor.
São dois episódios recentíssimos que revelam conflitos de interesses bastante sérios. É nesse contexto que a Organização Mundial do Comércio tentará, depois da frustração do ano passado, fechar um pacto global em telecomunicações até 15 de fevereiro.
O principal conflito entre os EUA, de um lado, e países como México e Canadá (aliás, companheiros no Nafta) diz respeito à abertura dos setores de telecom aos investidores estrangeiros.
A maioria dos países do mundo não deseja uma abertura completa, preferindo manter o controle em mãos nacionais. E as empresas de telecomunicações norte-americanas, por seu lado, prometem recorrer ao FCC ("Federal Communications Commission", o órgão regulador) se perceberem que os EUA estão concedendo demais ao resto do mundo.
O consenso, neste setor, ainda parece distante.

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