São Paulo, domingo, 2 de fevereiro de 1997 |
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Osmar Santos e o marketing da saúde
LUÍS NASSIF No dia 22 de dezembro de 1995, o radialista Osmar Santos arrebentou o crânio em um acidente automobilístico na rodovia Transbrasiliana.Chegou à Santa Casa de Lins em coma, em estado de choque e com a pressão a zero, com ferimento aberto no crânio, dilaceramento cerebral e ruptura das artérias cerebrais. Imediatamente foi levado para o Centro Cirúrgico. Sua vida ficou nas mãos dos neurocirurgiões Ivan Tadeu, Maorílio Aparecido Calil e Lauro Bairral Dias. Apesar de depauperada pela crise do Sistema Único de Saúde (SUS), a Santa Casa de Lins é instituição decente, hospital de referência para dez cidades da região, com boa UTI e um bom centro cirúrgico. A cirurgia durou quatro horas. Primeiro, foi feito a limpeza cirúrgica, que retirou o material necrosado e aspirado o sangue do cérebro. Depois, o hemostasia, para parar o sangramento. Não havia condições de se fazer a anastomose arterial (procedimento visando restabelecer a circulação na parte do cérebro afetada) devido ao tempo que decorreu entre o acidente e o sangramento e ao fato de a artéria ter sido seccionada de modo irreparável. Terminada a primeira fase, Osmar Santos foi submetido a uma tomografia, que revelou pequenas lesões ainda a serem extirpadas. Mas os três neurocirurgiões optaram por não mexer porque, em seguida, foram informados da vinda de um jatinho UTI, incumbido de remover o radialista para São Paulo. Osmar Santos chegou ao Alberto Einstein sedado, da mesma maneira que a modelo Cláudia Liz. E, como Liz, foi atendido pelo neurocirurgião José Roberto Pagura. Os procedimentos foram idênticos em ambos os casos. Primeiro, a dramatização da situação dos pacientes. À imprensa, Pagura informou que entre um estágio de coma de 3 (o mais grave) a 15, Osmar Santos estava em 5. As avaliações eram acompanhadas de críticas pesadas aos procedimentos adotados anteriormente. A partir desses dados, perseguir a mera sobrevivência do radialista era um desafio ciclópico. Por isso, um mês depois, quando o radialista saiu vivo do hospital, o fato foi tratado como feito médico. Um ano e meio depois, quando conseguiu andar e balbuciar algumas palavras, muitas publicações saudaram como "milagre médico". Em Lins, os três neurocirurgiões não entendiam nada. Haviam salvo a vida do radialista, operado em circunstâncias dificílimas. Receberam Santos com pressão a zero e o entregaram ao Einstein vivo e agitado -a ponto de precisar ser sedado. Os testes para a medição do coma são de ordem motora e verbal. Medem reações do paciente a estímulos externos. Se o paciente está sedado, é evidente que os reflexos são menores. Por isso mesmo, quando se divulga o coma de pacientes sedados, informa-se essa circunstância para que se dêem os devidos descontos. Mas não se informou. Também não havia "milagre" na recuperação do radialista. Dadas as circunstâncias do acidente, ele estava alcançando a recuperação possível, como andar trôpegamente e balbuciar algumas palavras. E não sairá muito mais disso. A avaliação dos médicos de Lins é a mesma de neurocirurgiões da capital consultados pela coluna. Mas como tirar da mídia essa oportunidade esplendorosa de poder relatar a seus leitores um milagre médico? "Nunca nos deram chance de rebater", queixa-se o neurocirurgião Ivan Tadeu, o primeiro a atender Osmar Santos. "Pagura disse que tinha tirado cabelo de dentro do crânio, sujeira. Não era nada disso. Comentou também que a gente deveria ter feito anastomose das artérias. Escrevi carta para Veja discordando, mas nada foi publicado". Medicina e mídia Qual o resultado final dessa mistura incestuosa entre vaidades médicas e sensacionalismo da mídia? Primeiro, a falsa impressão de que apenas os grandes centros médicos estão aparelhados a salvar vidas humanas. Santos foi salvo em uma Santa Casa de Misericórdia, conveniada do SUS. Mas, antes e depois do acidente, a mídia persistiu em mitificar os grandes hospitais sofisticados e em desancar o SUS. Depois, o engodo do "milagre" médico, uma banalização perigosa da ciência médica, que permite a hospitais fixarem preços absurdos, a seus médicos cobrarem honorários estratosféricos e aos pacientes pagarem conformados porque milagre não tem preço. Finalmente, a competição desleal entre médicos. O maior ou menor sucesso passa a depender não apenas da competência técnica, mas do menor ou maior escrúpulo do médico em fazer a sua própria mídia, e em crucificar colegas. Email: lnassif@uol.com.br Texto Anterior: Regras em telecom ainda são incertas Próximo Texto: Produção agrícola poderá continuar caindo em 97 Índice |
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