São Paulo, segunda-feira, 3 de fevereiro de 1997
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Água, esgoto e dinheiro

DARCY RIBEIRO

Quase toda a mídia parece mancomunada para desinformar o público sobre o desconto nos cheques destinado a cobrir os déficits do Sistema Nacional de Saúde. O que há atrás disso? Que poderosos interesses se opõem à CPMF?
Ninguém ignora a crise da saúde tanto no setor público como no privado, que vende atendimentos. Há, é certo, nesse campo, milhares de falcatruas e de práticas corruptas, amplamente denunciadas pela imprensa, que precisam ser coactadas e punidas.
Há também a necessidade de forçar uma aplicação melhor dos escassos recursos públicos destinados à saúde. Mas há, sobretudo, a necessidade imperativa de um socorro urgente para que não se paralisem completamente os serviços assistenciais, jogando o povo no sofrimento. Sobretudo nessa hora em que o desemprego bate em todas as portas e a miséria e a criminalidade aumentam enormemente.
Nenhum trabalhador, nenhum assalariado está preocupado com o desconto mínimo que terá nos seus ganhos para ajudar a custear o serviço de saúde. A mídia é que faz enorme estardalhaço, procurando fazer crer que a CPMF é abusiva e dispensável.
Nem mesmo os fundos de poupança serão significativamente afetados. Esse desconto de 0,2% representa quase nada para cada contribuinte, soma muito é no conjunto. O suficiente para socorrer a saúde pública que está falida. Especialmente o SUS (Sistema Único de Saúde), cuja recuperação é indispensável para os pobres, que não têm outro socorro.
Os banqueiros, esses sim, têm o que perder. A medida provisória pode obrigá-los a tornar públicas todas as suas contas, desvendando as falcatruas que queiram esconder. Essa será, temo eu, a motivação real do complô contra o desconto da CPMF.
O incrível é que a mídia, tão importante como fonte de informação e tão poderosa como formadora de opinião, só se esforce para dar a entender que a ninguém interessa essa solução inventada por um ministro imaginoso e aprovada pelo Congresso Nacional.
Ocupam-se é de sugerir modos de fugir desse pagamento. O desafio real que enfrentamos é a procura de formas de substituição dessa contribuição provisória, que a meu ver poderia ser a reiteração dela mesma. Nunca vi forma tão boa de obrigar os banqueiros a cobrar uma taxa em benefício dos pobres.
Os próprios bancos ganham muito dinheiro para cobrar essa taxa e, mais ainda, arrecadando milhões que vão transitar entre as contas, procurando fugir da contribuição. O certo, porém, é que gostosamente abririam mão desse lucro para se verem livres da fiscalização de seus negócios.
Os bancos constituem um serviço público tão indispensável quanto o de água e o de esgoto. Assim como é preciso levar água e recolher dejetos por toda a parte, é igualmente necessário que o crédito chegue a cada produtor capaz de usá-lo para fazer a economia funcionar. Nos dois casos, uma avaliação pública constante é necessária, a fim de impor normas de higiene para garantir a vida das pessoas e de regulamentar e fiscalizar a área financeira para permitir a probidade e a produtividade da economia.

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