São Paulo, segunda-feira, 3 de fevereiro de 1997
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Edimburgo é cenário do 'crime perfeito'

MARILYN STASIO
DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Na primeira vez que visitei Edimburgo, durante uma estação que os nativos chamam de primavera, quase sucumbi ao frio e às gotas geladas que caem das paredes de pedra da cidade.
Sem parar para abrir a mala -cheia de roupas que se revelaram inúteis-, corri para a Victoria Street, onde comprei um suéter com gola olímpica e uma touca.
Minha segunda parada foi em um sebo na Princess Street. Lá, por US$ 10, comprei uma edição original de 1924 da obra "The Fatal Countess and Other Studies" (A Condessa Fatal e Outros Estudos), de William Roughead.
Esse é o tipo de livro que você gostaria de ter em mãos durante sua visita a Edimburgo, cidade que tem uma satisfação perversa por sua história violenta.
Por essas ruas, trafegou a carroça carregada dos infames esquartejadores Burke e Hare.
No pé da Royal Mile, no majestoso Palácio de Holyroodhouse, está a sala de jantar onde o pobre e belo Rizzio -azarado companheiro de Mary, rainha da Escócia- foi arrastado de um jantar para a morte.
E, em algum lugar no meio das torres e campanários de pedra cinza da cidade, a lenda fala em um castelo onde Macbeth e sua cruel mulher chamaram o rei para entrar e ser assassinado.
Roughead, um distinto advogado de Edimburgo, apresenta casos como esse com uma narrativa tão sedutora que ninguém menos que Henry James virou fã ardente da "arte e animação" de Roughead.
Bispos, capangas e alcoviteiros, vendedores de veneno e mágicos, todos assumem seus papéis no caso de lady Frances Howard, a bela e demoníaca condessa.
Conspiração
Ela foi banida da obscuridade em 1616, quando ocorreu o assassinato de sir Thomas Overbury, homem influente na corte e disposto a impedir o casamento da condessa com o favorito do rei.
Roughead conta todos os deliciosos detalhes de uma conspiração que inseriu certa "nobreza na corte sem valor" do rei James.
Roughead não foi o único a encontrar no passado sangrento de Edimburgo o cenário perfeito para "um crime dos bons".
Autores escoceses contemporâneos, como Ian Rankin e Quintin Jardine, também transformaram a cidade em terreno de assassinatos.
"Essa é uma cidade", lembra Rankin, "que esfolava os ladrões de túmulos e fazia suvenires com as peles. É a capital de um país cujo rei transformou em hobby a extração de dentes de seus súditos. Nada que eu pudesse escrever, num contexto como esse, poderia ser considerado exagero".
Os romances de Rankin levam os leitores às ruas mais escuras e desprezíveis da cidade. "Hide and Seek" (Esconda e Procure) trafega pelos esquálidos abrigos de desafortunados e viciados em drogas.
"Eu gosto de imaginar meus romances passados em Edimburgo como uma releitura de 'Dr. Jekyll and Mr. Hide'", diz Rankin.
Pegando as clássicas histórias de terror de seu compatriota Robert Louis Stevenson como modelo literário, Rankin prova sua teoria de que Edimburgo tem duas faces: o rosto severo, de honradez calvinista, tentando evitar o sorriso diabólico que vê no espelho.
Batimentos cardíacos
Diferentemente de Rankin, Quintin Jardine acelera os batimentos cardíacos do leitor. Acompanhando seus policiais rudes, você não passeia pelos terraços georgianos da Cidade Nova. Mas os policiais são boa companhia para uma incursão num pub.
Designada a "melhor cidade do Reino Unido para pubs" -pelo guia "Good Pub"-, Edimburgo tem mais de 700 deles. No que diz respeito ao formato, eles vão desde escuros salões até aconchegantes tabernas com lareiras.
Entusiastas do esporte podem preferir "Skinner's Round" (A Ronda de Skinner). Nele, os membros de um clube de golfe vão sendo assassinados na medida em que se aproxima um torneio.
A Escócia é conhecida como o berço ancestral do golfe.
Para apimentar um pouco mais a investigação policial, corre por fora o boato de que a série de assassinatos seria praga de uma bruxa local que foi queimada na fogueira no século 16.
Se, durante a sua visita a Edimburgo, não parar de chover, esteja pronto para visitar as cidades vizinhas. Você vai querer a companhia de um par de guarda-costas -desculpe, guias- em Glasgow, a mais corajosa cidade escocesa.
William McIlvanney e Peter Turnbull escreveram romances policiais, desprovidos de sentimentos, ambientados na cidade.
Os policiais de Turnbull são atacados por um humor cínico. "A reputação de violência entre os escoceses é baseada no comportamento dos homens de Glasgow e Edimburgo", diz um deles.
Recomendo que você comece por "Laidlaw", de McIlvanney, e "Long Day Monday" (Longa Segunda-feira), de Turnbull.
A essa altura, você deve estar com vontade de conhecer as Terras Altas da Escócia (terra de pessoas gentis, assegura Turnbull).

Tradução: Edson Franco

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