São Paulo, terça-feira, 4 de fevereiro de 1997
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Pitta vê 'motivação política' em relatório

JOSIAS DE SOUZA
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

O prefeito de São Paulo, Celso Pitta, enxerga "motivação política" por trás do relatório do Banco Central que o acusa de ter autorizado operações financeiras lesivas aos cofres municipais.
Em documento revelado pela Folha na última sexta-feira, o BC analisou negócios com títulos públicos feitos ao tempo em que Pitta era secretário de Finanças da gestão de Paulo Maluf. Contabilizou um prejuízo de R$ 8,396 milhões entre dezembro de 94 e fevereiro de 96. E concluiu: "Parece claro que houve motivação dolosa (má-fé)."
Ontem, quebrando um silêncio de três dias, Pitta disse que o BC fez "uma análise parcial, estereotipada, errada e maldosa" de sua gestão. O prefeito recebeu a reportagem da Folha em seu gabinete.
Em entrevista de uma hora e cinco minutos, rebateu as acusações do BC, antecipando declarações que fará à CPI do Senado caso venha a ser convocado. O prefeito estava acompanhado de José Antônio de Freitas, atual secretário de Finanças do município, e Wagner Baptista Ramos, coordenador da Dívida Pública da prefeitura desde a gestão Jânio Quadros.
Abaixo os principais pontos da defesa de Pitta:
1) Opção pelo mais fraco: O BC diz que a prefeitura optou por trabalhar com corretoras de pequeno porte, em detrimento de grandes bancos ou fundos de pensão, parceiros mais confiáveis. Pitta argumenta que não se trata de uma opção. Os títulos da prefeitura são lançados ao mercado em leilões públicos, dos quais podem participar pequenas, médias e grandes corretoras. Ouça-se o seu raciocínio: "Nosso interesse sempre foi o de ter esses papéis em poder de fundos ou investidores que pudessem segurá-los por um longo prazo. Mas se os grandes não se interessaram, esse é um problema do mercado. A prefeitura não indica as corretoras. Elas é que elegem os títulos da prefeitura para trabalhar". Há um detalhe que Pitta pronuncia com especial ênfase: "Todas as corretoras habilitadas a apresentar propostas nos leilões, grandes ou pequenas, estão cadastradas no Banco Central, a quem cabe fiscalizá-las".
2) Custo desnecessário: O BC acusa Pitta de ter pago deságios "absurdos" em suas transações com as corretoras. O documento afirma que houve "custo adicional (e desnecessário) ao erário municipal". Pagaram-se juros muito acima do mercado. Novamente, Pitta diz ter agido premido por contingências do mercado. Ele afirma que, "no segundo semestre de 94, o Plano Real retirou liquidez do sistema financeiro". Em português claro: o real retirou dinheiro de circulação. A escassez monetária levou as pequenas corretoras a uma situação de insolvência. "Começou a haver um risco de quebra em cadeia dessas pequenas instituições", diz Pitta. Para evitar que as corretoras afundassem com seus títulos nas mãos, a prefeitura pôs-se a comprá-los, para preservar a credibilidade dos papéis. Dê-se novamente a palavra a Pitta: "Se não tivéssemos agido, haveria um efeito dominó. Quebraria a primeira corretora, que levaria mais uma, e mais outra. No final, nós seríamos obrigados a resgatar todos os títulos existentes no mercado naquele momento, sem qualquer desconto. Na época, nossa carteira de títulos estava em R$2,8 bilhões".
3) "Empresas-laranja": O BC diz que, após obter lucros fantásticos com as transações feitas com a prefeitura, as corretoras relacionavam-se com "empresas de fachada". Invariavelmente, registravam prejuízo nessa segunda cadeia de negócios -uma manobra para encobrir os ganhos e sonegar ao fisco. A Folha revelou em sua edição de domingo que algumas das empresas mencionadas no relatório do BC são mesmo "fantasmas" ou "laranjas". Ou ainda, para usar palavras do documento do BC, empresas constituídas exclusivamente para funcionar como "receptoras de recursos de procedência ilícita". Pitta não nega o fato nem defende as tais organizações de fachada. Apenas exime-se de responsabilidade. Diz: "Se as empresas, para esconder lucro do Imposto de Renda, usaram artifícios como notas frias e negócios com fantasmas, a prefeitura não tem nada a ver com isto. É um problema da Receita Federal e do próprio Banco Central. Eles é que devem fiscalizar".
Ataque
Vencida a fase da defesa, Pitta parte para o ataque. O prefeito diz que, na origem da crise de liquidez dos títulos públicos está uma decisão do BC envolvendo duas siglas. Conhecidas do mercado, as siglas não passam de economês para o grande público: Selic e Cetip.
Comece-se por explicar o que está por trás das siglas. Selic é o Serviço de Liquidação de Custódia. Nele, o BC registra os títulos públicos lançados no mercado -federais, estaduais ou municipais. Cetip é a Central de Títulos Privados, onde são anotadas as emissões de papéis privados.
No final de 92, sempre segundo Pitta, o BC decidiu que as novas emissões de títulos públicos, destinadas ao pagamento de condenações judiciais (os chamados precatórios), deveriam ser lançadas na Cetip. Com isso, misturou-se numa mesma carteira títulos públicos, menos valorizados, e papéis privados, mais cobiçados pelo mercado.
Para simplificar: antes de 92, os títulos públicos, podres, eram acondicionados apenas na cesta do Selic. Depois, lançados no cesto da Cetip, misturaram-se a maçãs mais vistosas -CDBs e debêntures privadas, por exemplo. Resultado: para vender os seus títulos, a prefeitura viu-se forçada a aceitar deságios maiores. O fenômeno, segundo Pitta afetou também outras administrações públicas.
Pitta tenta obter cópia do relatório do BC desde sexta-feira, dia em que a Folha o estampou em suas páginas. Por ordem do prefeito, Wagner Baptista Ramos, coordenador da Dívida Pública do município, discou para dois departamentos do BC: o da Dívida Pública e, por orientação deste, para o de Fiscalização. Até o final da tarde de ontem, o relatório não havia sido remetido à prefeitura.
O prefeito se diz intrigado com o fato de o documento ter vazado primeiro para a imprensa. "Estamos sendo acusados das piores coisas e não nos foi dado nem mesmo acesso ao relatório".

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