São Paulo, terça-feira, 4 de fevereiro de 1997 |
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Salvar alguém, mas somente para se salvar
MARILENE FELINTO
Entrou e perguntou "é um supermercado aqui?", para espanto e sarro das moças dos caixas. Entrou, a roupa puída, as pernas manchadas de argamassa e cimento, o pequeno trabalhador da construção civil. Franzino, teria uns 15 anos, mas parecia menos. Procurava uma galinha, mas ficou rodando minutos entre latas de óleo e rolos de papel higiênico, desconfiado de que ali nada funcionava como na venda ou na feira de sábado do lugarejo de onde ele vinha. Ele não sabia que o auto-serviço foi criado no Brasil com os supermercados, nos anos 50. Zonzo entre prateleiras e corredores, ele parou e perguntou "sabe se tem galinha?". Apontaram-lhe o lugar. Sempre amassando um papel que trazia na mão, o trabalhador matuto primeiro olhou de longe a fileira de galinhas sem penas, dentro de sacos plásticos. Depois ele tocou a matéria plástica fria, amolegou, pesou uma e outra na balança de sua mão. Viu o preço e escolheu sem convicção a galinha morta que lhe mandaram comprar. A história é real. Era a primeira vez que aquele caçador de tatu entrava em um supermercado. Segui-o pelos corredores, disposta a ajudá-lo, a salvá-lo da ofensa pública, da barbárie da ignorância. "Entendo por barbárie algo muito simples", um filósofo disse, "ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização (...)." Quando chegou sua vez de pagar, todos os olhares das moças dos caixas voltaram-se para ele. Risos de deboche cruza Texto Anterior: Ex-secretário aprova parceria Próximo Texto: Paralisação deixa 78 mil sem trens Índice |
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