São Paulo, terça-feira, 4 de fevereiro de 1997
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CPMF: Chantagem e um falso dilema

ARLINDO CHINAGLIA

A CPMF entrou em vigor no último dia 23. É mais um imposto com que a maioria dos brasileiros e brasileiras terá que arcar para, supostamente, socorrer a saúde.
Durante mais de um ano, a sociedade foi bombardeada e chantageada por um falso dilema: sem mais um imposto, não haveria dinheiro suficiente para a saúde, e os mais pobres iriam pagar com a sua saúde, ou até mesmo com suas vidas, caso a CPMF não fosse aprovada.
Todos os brasileiros se sensibilizaram e buscaram compreender a verdade, até porque há uma diferença profunda entre fazer um sacrifício a mais para salvar vidas e dar mais dinheiro para um governo que prefere gastar em outras "prioridades" (como banqueiros, por exemplo).
Essa busca de informações nos faz analisar o total de recursos que o Brasil arrecada e como estão sendo aplicados na saúde e em outras áreas, até para entendermos qual é o compromisso que este governo alega ter com a saúde.
Em 1997 o Orçamento Geral da União prevê gastos totais de R$ 431 bilhões. Desse total, R$ 223 bilhões vão para o pagamento das dívidas interna e externa. Para o Ministério da Saúde, estão previstos apenas R$ 20,1 bilhões (incluída a CPMF, com a qual se prevê arrecadar R$ 4,7 bilhões).
Mas, por solicitação do Executivo, R$ 1,1 bilhão do total a ser arrecadado pela CPMF já vai ser desviado para pagamento de dívidas! Contrariando a emenda constitucional que a instituiu no final de 1996 e, portanto, reduzindo para R$ 19 bilhões o orçamento estimado para o Ministério da Saúde em 1997.
Segundo matéria da Folha (06/01), o gasto federal per capita com saúde caiu 7,6% em 1996, comparando-se com 1995. Foi de US$ 95.97 em 1995 e de US$ 88.70 em 1996.
Em 1995, os gastos efetivos com saúde foram de R$ 14,9 bilhões. Fazendo-se a correção, esse valor sobe para R$ 17 bilhões. Em 1997, está previsto o total de R$ 20,1 bilhões. Retirando-se o total teórico de R$ 4,7 bilhões da CPMF, o recurso vindo de outras fontes cai para R$ 15,4 bilhões, sem considerar a desvalorização decorrente da inflação.
Não se considerando a CPMF, o orçamento da saúde previsto em 97 já é menor que o orçamento executado em 95. Considerando-se a CPMF, o valor destinado à saúde em 1997 é igual ao valor de 1995 (gastos efetivos executados). Num Brasil com mais habitantes, mais desemprego e mais carências, a conclusão simples é que, sem o novo imposto o governo está investindo menos em saúde que nos dois primeiros anos. Portanto a CPMF substituiu verba da saúde e não aumentou os recursos destinados à área.
Para a CPMF foi dado um caráter de urgência. É verdade que a saúde está na UTI, mas se o governo quisesse salvá-la e ter dinheiro rápido e imediato, desde o primeiro dia de governo poderia ter tomado providências tais como:
1º) emitir Títulos Públicos de Longo Prazo, como foi feito para o Proer (socorro aos bancos), absorvendo mais de R$ 15 bilhões e podendo chegar a R$ 30 bilhões, como relata a imprensa;
2º) editar medida provisória, como foi feito com a dívida dos usineiros, no valor de R$ 4 bilhões; como fez com os grandes latifundiários devedores do Banco do Brasil, no valor de R$ 7 bilhões; e, finalmente, com o Banco do Brasil, que por meio de medida provisória teve seu capital aumentado em R$ 8,5 bilhões;
3º) fazer o remanejamento de verbas do Orçamento, transferindo recursos de outras áreas para a saúde, se a colocasse como verdadeira prioridade, não apenas na retórica;
4º) reduzir, em um terço as taxas exorbitantes de juros (hoje em torno de 20%) renderia R$ 6 bilhões para os cofres públicos, e o governo poderia e deveria usá-las na saúde.
Com esses exemplos, fica provado que as mortes e os prejuízos à saúde do povo brasileiro, por falta de dinheiro foram uma opção deste governo e não falta de alternativa à CPMF, como propalado.
Foi a partir dessa realidade que analisamos e previmos que nem a CPMF era indispensável e nem resolveria os problemas do SUS. Os fatos recentes confirmam: no relatório final do Orçamento Geral da União, foram retirados recursos das áreas de saúde e educação no valor de R$ 1,7 bilhão, valor que foi realocado para outros setores, como transporte e irrigação. Além disso, R$ 1,1 bilhão (do total de R$ 43,7 previstos) proveniente da CPMF será desviado para o pagamento de dívidas, como mostrado anteriormente.
Como vemos, o mesmo governo que faz a reforma da Previdência sacrificando direitos e conquistas dos trabalhadores, ao mesmo tempo que privatiza as verbas dos acidentes de trabalho (favorecendo mais uma vez os bancos); o mesmo governo que privatiza e entrega o patrimônio público (petróleo, telecomunicações, setor energético, Vale do Rio Doce etc) e faz do Brasil um apêndice do sistema financeiro; o mesmo governo que reajusta o salário mínimo abaixo da inflação pela primeira vez na história do Brasil buscou amparo para justificar a criação de mais um imposto.
Não reconhecemos necessidade nem razão nem sinceridade no governo. Por isso votamos contra a CPMF e continuaremos a luta em defesa da saúde e do SUS. A administração eficiente das verbas alocadas para a área da saúde e o reforço dos recursos previstos no Orçamento da União para esse setor prioritário são ações mais racionais e inteligentes. Essas medidas irão reduzir os tristes índices do setor e acabar, de vez, com as tragédias nos hospitais do nosso país.

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