São Paulo, terça-feira, 4 de fevereiro de 1997
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Política industrial ou teta federal?

LUÍS PAULO ROSENBERG

Volta à discussão o tema da política industrial, ressuscitado pela insólita aliança dos economistas da esquerda que sempre se negaram a dar prioridade ao combate à inflação, das raposas felpudas defensoras dos lobbies setoriais e dos ingênuos que ainda acreditam bastar voluntarismo e intervencionismo estatal para se construir um Brasil grande.
A lógica condutora do raciocínio deles parte de um dogma de fé: sem um programa de proteção à indústria nacional, a abertura da nossa economia ao capitalismo selvagem internacional reduzir-nos-á a nação de terceira categoria, produtora de matérias-primas e alimentos in natura.
A implicação disso, com pequenas variações, passa pela imperiosidade de protegermos a indústria local com uma boa maxidesvalorização, isenção de impostos, crédito subsidiado e, por segurança, restrições à importação do similar produzido lá fora.
E não adianta perguntar: por que transferir tantos recursos da sociedade -por intermédio da mão de gato do governo- para um grupo reduzido de milionários privilegiados, se o resultado final será a manutenção de um preço interno sistematicamente acima do internacional, de tudo o que se produzir em decorrência desse tipo de programa?
Sem disfarçar o desprezo pelo entreguismo e alienação social dos que questionam o bom senso de tal política, seus defensores responderiam que esse é o preço justo a pagar para se gerar emprego e manter em nossas mãos as rédeas do destino econômico do Brasil.
No momento em que a balança comercial apresenta resultados decepcionantes, nada mais natural do que ocorrer a mobilização desses intervencionistas, a pretexto de evitar o colapso das contas externas, como ilustra a festa da semana passada do BNDES, relançando a surrada bandeira em voga na metade deste século da substituição de importação por produção local e, fazendo marejar os olhos dos devotos de Vargas, Juscelino e Geisel.
É claro que todo país tem sua política industrial. Quando nada, por omissão. Só que em vez de concebê-la como um esquema transitório (que se torna permanente) de socar recursos públicos na viabilização de setores industriais julgados prioritários pelo burocrata de plantão, por que não desenhá-la como sendo a criação de uma ecologia fecunda à proliferação de empresas locais competitivas internacionalmente, que vendam aqui aos mesmos preços praticados no exterior?
Uma política industrial assim fundamentada jamais distribuiria benefícios a esmo. Ela teria como pilares:
1 - a manutenção de regras claras e perenes de funcionamento da economia, respeitando direitos adquiridos e a propriedade, de forma a atrair o capital nacional e estrangeiro pela previsibilidade dos resultados, sem precisar compensar com subsídios as mudanças de humores dos comandantes da política econômica. Simultaneamente, implantar um esquema expedito de retaliações "antidumping", quando o produtor nacional fosse realmente agredido de fora por práticas desleais de comércio;
2 - a prioridade inquestionável da eliminação da inflação, único instrumento capaz de transformar uma sociedade de poucos privilegiados num mercado de 150 milhões de consumidores, cujo poder aquisitivo não erodido pela inflação atrai mais investimentos do que todas as medidas protecionistas juntas;
3 - austeridade fiscal inegociável, cortando o tamanho do Estado e tributando com parcimônia, criando assim um seguro contra repiques inflacionários ou necessidade de desaquecimentos abruptos das vendas do setor privado;
4 - a prática de juros domésticos alinhados aos internacionais, dando condição de competitividade não só para os setores que receberiam subsídios creditícios mas para todos os ramos produtivos;
5 - privatização selvagem de todos os serviços públicos, propiciando queda do custo doméstico de expansão da infra-estrutura, aumentando a competitividade em geral;
6 - modernização do ensino básico, elevação do nível da universidade brasileira, fomento à pós-graduação, incentivos à conversão de conhecimento em tecnologia e desburocratização do licenciamento de tecnologias. Afinal, o capital humano e a compra de tecnologia adequada são hoje mais importantes na expansão industrial do que subsídios à simples compra de máquinas.
Uma política industrial concebida com a garantia de que um empresário eficiente teria no Brasil condições de sobreviver é muito mais ética e distributiva do que a elitista tese de que vale a pena criar artificialmente alguns empregos às custas do erário e do conjunto dos consumidores.
Felizmente, a entrevista deste final de semana do assessor da Fazenda, José Roberto Mendonça de Barros, deixou clara a disposição do governo em avançar na direção de uma moderna política industrial e não em reabrir os guichês que ofereciam as tetas federais ao empresário simplesmente por apresentar sua carteirinha verde-amarela.

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