São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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Jornalista ditava o gosto e era movido a polêmicas

Paulo Francis estava escrevendo romance sobre Getúlio Vargas

DA REPORTAGEM LOCAL

Paulo Francis nasceu Franz Paulo Trannin da Matta Heilborn a 3 de setembro de 1930 no Rio. O apelido e o personagem que se tornariam um dos mais influentes polemistas das últimas três décadas apareceram no início dos anos 50, quando era ator na companhia Teatro do Estudante.
Descendente de alemães e franceses, Francis nasceu em família abastada. Frequentou colégios de elite, como o Santo Inácio, de jesuítas. Só foi trabalhar aos 27 anos.
Dizia que a ferocidade que seria a marca registrada de seus textos nasceu na infância. "Aos 7 anos fui arrancado dos braços da minha mãe e atirado às feras de um internato na ilha de Paquetá. Atribuo todo meu sarcasmo e agressividade a essa brutal separação", contou ao jornalista José Castello.
Até entrar para a companhia de teatro de Paschoal Carlos Magno, que o batizou de Paulo Francis, vivia na zona sul carioca bebendo, farreando e lendo.
Levou um susto ao conhecer a miséria brasileira, na figura do flagelado nordestino, quando excursionava com o grupo no Ceará. "Voltei para o Rio de Janeiro certo de que era preciso fazer uma revolução social", disse.
Nascia aí o colunista de esquerda, trotskista, adepto da idéia de que não é possível fazer a revolução socialista num só país. Leonel Brizola era seu ídolo. Francis renegaria a esquerda nos anos 80, mas manteve a admiração por Brizola. "Eu acredito na grandeza das amizades", disse, sobre o político.
O crítico
Há 40 anos -no dia 2 de fevereiro de 1957- Francis começou a exercitar o seu estilo.
Foi nesse dia que estreou como crítico de teatro na "Revista da Semana", com um texto que comparava Cacilda Becker a Fernanda Montenegro e tomava o partido de Cacilda.
Até 1963, escreveria críticas para o "Diário de Notícias" e "Última Hora". Segundo George Moura -autor do livro "Paulo Francis, o Soldado Fanfarrão", sobre as críticas teatrais de Francis-, ele foi "um divisor de águas". "Antes dele, crítica era uma ação entre amigos", avalia.
Francis praticava uma crítica militante. Defendia a dramaturgia brasileira (Nelson Rodrigues e Dias Gomes) contra autores estrangeiros.
Não passou por nenhuma faculdade, mas fez mestrado com o crítico Eric Bentley na Universidade de Columbia, em Nova York.
O demolidor
O colunista iconoclasta que fala de tudo e de todos surgiria entre 1962 e 1964, no jornal "Última Hora".
Foi na década de 60 que se tornaria um jornalista de projeção. Editou a revista "Senhor", o caderno de cultura e variedades do "Correio da Manhã" (o jornal de mais prestígio à época) e em 1969 seria um dos fundadores do "Pasquim", tentativa de fugir à censura imposta pelo regime militar.
Entre 1969 e 1970, foi preso quatro vezes por causa do que escrevia. Ao todo, ficou oito meses encarcerado. Dizia que a prisão não o mudou em quase nada.
O personagem
A grande mudança aconteceria com a sua transferência para os Estados Unidos, em 1970, onde sobrevivia com uma bolsa da Fundação Ford e dos textos que enviava a jornais brasileiros.
A partir de 1975, quando passou a escrever na Folha, Francis se tornaria um dos principais personagens do jornalismo. Começou escrevendo sobre política internacional, a convite de Cláudio Abramo, diretor de Redação à época, e virou um fazedor de cabeças.
Sua opinião influenciava e provocava universitários e a classe média entusiasmada com a abertura política. Se Francis demolia um filme, essa opinião era repetida à exaustão. Se elogiava, também.
A idéia de que o polemista era um personagem teatral é do próprio Francis: "Há em mim um resíduo de saltimbanco. Gosto de uma platéia, quero mantê-la cativa, afinal vivo disso há 40 anos."
O texto predileto desse personagem era a polêmica. Até 1990, quando deixou a Folha, polemizou com diretores de teatro, políticos, cantores e jornalistas. A partir de dezembro de 1990, sua coluna passou a ser publicada em "O Estado de S. Paulo" e, desde junho de 1992, em "O Globo".
O duplo
Foi na década de 80 que o colunista de esquerda começou a dar lugar ao pregador neoliberal. Os elogios a Trótski e às suas análises da Revolução Russa foram substituídos por louvores ao mercado. Troca Isaac Deutscher, biógrafo de Trótski, por Roberto Campos, a quem ironizava nos anos 60.
"Eu era crítico de esquerda e hoje sou contra a esquerda porque ela representa a ortodoxia cultural", afirmou.
Nessa aversão pela ortodoxia, Francis preferiu retratar a elite aos miseráveis em seus dois romances: "Cabeça de Papel" (1977) e "Cabeça de Negro" (1979). Abominava qualquer tentativa de romantizar a pobreza.
Deixou ao menos dois livros inéditos: escrevia uma biografia romanceada de Getúlio Vargas, já batizada de "O Homem que Inventou o Brasil", e tinha concluído em 1990 um romance sobre a revolta dos estudantes franceses em 1968. Dizia não ter intenções de publicar o romance.
"Escrever para mim é muito fácil. Mas não quero escrever um livro banal", afirmava.
Essa tensão entre o escritor e o jornalista, entre o ensaísta que ele gostaria de ter sido e o comentarista ligeiro da Rede Globo, onde estreou em 1979, incomodava Francis nos últimos anos.
Achava que sua herança teria pouca densidade cultural.
Até o rótulo de conservador, com o qual se divertiu muito, incomodava-o nos últimos meses.
"Eu permaneço, antes de tudo, um humanista. As esquerdas inventaram um Paulo Francis que não sou eu", disse em entrevista em agosto do ano passado.
Outra chateação da qual Francis reclamava era o processo que a Petrobrás movia contra ele na Justiça dos Estados Unidos por calúnia, injúria e difamação.
Achava que a Petrobrás queria calá-lo pela via econômica -reivindicando uma alta indenização.
Casado com a jornalista Sônia Nolasco, Francis vivia cercado por livros, jornais e vídeo-lasers em seu apartamento de Nova York. Adorava gatos.
Não tinha filhos. Repetia como justificativa a frase de Machado de Assis que encerra o livro "Memórias Póstumas de Brás Cubas" : "Não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria".

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