São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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Adeus Paulo Francis, meu jornalista predileto

BARBARA GANCIA
COLUNISTA DA FOLHA

Costumo dizer que aprendi a ler para ler o Paulo Francis. Seu charme e sua coragem em denunciar as bananices deste país ajudaram a fazer minha cabeça desde cedo.
Já estava na Folha há meses quando, finalmente, fui conhecer o jornalista a quem eu chamava de "Deus". O encontro se deu num daqueles dias, sabe como é, em que a gente acorda com a bateria da Padre Miguel na cabeça.
Estava lá eu, sentadinha à minha mesa engolindo uma garrafa térmica de café, quando percebo uma sequóia estacionada ao meu lado: "A senhorita poderia me info...". Francis não conseguiu terminar a frase, tamanho o berro que dei quando me virei para ver quem era. "Você existe! Deus existe!", eu não conseguia parar de gritar. Assustadíssimo, aquele homem enorme se mandou correndo para o outro canto da sala.
Não dei trégua. Lembro que, lá de longe, vez ou outra, Francis me olhava intrigado. E quando ele me fixava, eu mandava um tchauzinho.
Naquele dia, ao final de "mais uma batalha perdida", como Cláudio Abramo costumava chamar o fechamento da edição diária, o hoje escritor e na época meu mentor Ruy Castro passou por mim e me convidou para jantar: "Não vou, estou esbudegada".
Ruy insistiu tanto que acabei cedendo. Fomos no meu carro, pois meu caro amigo, assim como a maioria dos intelectuais, dos gays e dos jornalistas, não é chegado em um volante.
Assim que engatei a primeira, Ruy se virou para mim e disse: "Estamos indo jantar com o Paulo Francis, mas só te levo com a condição de que você não abra a boca, porque o Francis adora discursar".
Pois sim. Sentamos à mesa do In Cittá e, de fato, Francis desatou a falar. "Mas que homem mais gentil", pensei com os botões do meu cardigã. "Duvido que ele se incomode que eu teça um comentariozinho". Contrariando as normas, abri as comportas.
Pois não é que acabamos a noite dançando Cole Porter cheek-to-cheek na casa do Ruy, depois de ter falado em inglês sobre Chaucer o jantar inteiro? Foi uma das noites mais memoráveis da minha vida. Waal...

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