São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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Diga-me o que comes e te direi quem és

RAUL LODY
ESPECIAL PARA A FOLHA

Certamente, depois do idioma, a comida é o mais importante elo entre o homem e a cultura.
Comer serve para nutrir o corpo, nutrir o espírito e estabelecer contatos com os antepassados, com os deuses.
No caso brasileiro, vêem-se mesas identificadoras de diferentes matrizes étnicas, reunindo Ocidente e Oriente.
O português navegador aproximou o mundo, estreitando contatos entre os povos. Buscou especiarias, temperos exóticos, frutas estranhas e, assim, incluiu na civilização lusitana presenças da Índia, da Indonésia, da China, da África, da América.
Procedentes do reino, Portugal, chegaram queijos, doces de ovos, açúcar, leite, bolos, manjares e outras iguarias originais dos conventos medievais.
No Brasil, os índios, com alimentação à base de farinha de mandioca, peixes, caças, mostram uma culinária ecológica.
Na costa, África, impera o dendê, juntamente com inhames, bananas, pimentas, feijões, entre outras delícias, como quiabos e camarões.
Como se o Brasil fosse um enorme caldeirão, convivem e misturam-se diferentes e saborosas contribuições gastronômicas.
Comer é antes de tudo uma forma de prazer, até pelo olhar estético sobre o alimento, que pode informar o significado do que se come e de como se come.
Comidas do cotidiano, da festa de rua, da festa religiosa. Comidas do mundo dos homens e do mundo dos orixás, caboclos e de tantos outros deuses que fazem mitologias nacionais.
Quando visito uma cidade, vou logo ao mercado e à feira para conhecer os alimentos. Depois busco uma banca, um restaurante para comer e beber, tentando entender e elaborar cheiros, cores e gostos. Somente depois dessa viagem pela boca vou ao encontro dos monumentos de pedra e cal, acreditando que, pela comida, sente-se e sabe-se a alma de um lugar.
A tradição convive com a mudança. Acarajés pequenos e iguais aos encontrados na costa ocidental africana estão lado a lado, na Bahia, com os grandes acarajés que lembram pães de hambúrguer, recebendo recheios de vatapá, caruru, salada, pimenta -verdadeiros sanduíches Nagô.
Assim, vivem as muitas mesas brasileiras, e pluralizar, creio, é a melhor receita para comer o Brasil.

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