São Paulo, quarta-feira, 5 de fevereiro de 1997
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PARA SALVAR VIDAS

A sanção presidencial da lei que torna todos os brasileiros -a menos que manifestem desejo contrário em vida- doadores potenciais de órgãos é bem-vinda, apesar das ressalvas que se lhe possam (e devam) fazer. Trata-se de um passo (e apenas um passo) a mais no sentido de proporcionar vida (ou qualidade de vida), um gesto que dificilmente pode ser objetado em termos morais.
Sem dúvida, ainda existem problemas. É óbvio que providências são necessárias para coibir tanto o abjeto comércio de órgãos humanos como o abuso do poder econômico.
A necessidade da capacitação de hospitais para retirada e conservação adequadas de órgãos e tecidos coletados é argumento parcialmente verdadeiro. Vale, é certo, para órgãos como coração e fígado. Já no caso de córneas (sintomaticamente a lista de espera que contém maior número de pessoas), pele (extremamente importante para as vítimas de queimaduras) e rins (em que pode poupar muitos indivíduos das verdadeiras sessões de tortura que é a hemodiálise), é procedimento simples que pode ser feito mesmo em hospitais pouco equipados. O que realmente importa aqui é uma mudança na mentalidade de toda a sociedade com relação a esse importante tema.
O argumento de que uma eventual omissão do morto poderia vir a contrariar a vontade de familiares é, em tese, válido, mas nada que não possa ser contemplado na futura regulamentação desse diploma legal.
É também importante que a manifestação de qualquer cidadão do seu desejo de não se tornar um doador seja feita da forma mais simples e desburocratizada possível, em nome da própria democracia no que tange às liberdades individuais.
Não nos resta dúvida de que a sanção da lei é um avanço. Entretanto, se a regulamentação não for cuidadosa e se não se mudar a mentalidade da sociedade brasileira, será apenas mais uma lei fadada a cair no ostracismo. Seria uma pena, pois estão em jogo vidas humanas.

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