São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
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Maria-João Pires revela várias faces de Schubert

LUIS S. KRAUSZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

O último ano da vida de Franz Schubert (1797-1828) foi marcado por uma consciência crescente da proximidade de sua morte.
Datam do período algumas de suas obras-primas, sem exceção marcadas por um novo impulso, em direção à transcendência.
Três novos discos do selo Erato, com a grande pianista portuguesa Maria-João Pires, trazem obras dessa época e algumas anteriores.
O primeiro contém a "Sonata nº 21" e os "Impromptus" 3 e 4. O segundo traz a "Sonata nº 18 (D. 894)" e os "Impromptus" 1 e 2. E, finalmente, no terceiro, estão a "Fantasia D. 940 op. 103", dois rondós e marchas militares, todas para quatro mãos, com acompanhamento de Hüseyin Sermet.
A "Sonata nº 21 (D. 960)" foi concluída dois meses antes da morte do compositor. É uma sonata atípica, que começa com dois movimentos graves e lentos, passando então a dois rápidos.
Seu extenso primeiro movimento abre-se com uma frase que se repete quatro vezes em seu desenrolar, sempre cortada por dois segundos de absoluto silêncio.
O "Andante sostenuto" recebe tratamento semelhante. A leveza e uma certa dose de isenção quase orienta, ante o que a música tem de desolador, e só tornam sua leitura mais expressiva.
A pianista pode facilmente passar de muito cautelosa a quase leviana. Espanta, ao enfrentar as peripécias técnicas propostas pelo "Scherzo" e pelo "Allegro ma non troppo".
Já a "Sonata nº 18 (D. 894)" pertence a um período diverso, apesar de ter sido composta apenas três anos antes da nº 21. É uma peça ainda não marcada pela presença da morte. Pertence à esfera da vida. Essa distinção é visível na leitura de Maria-João Pires.
Aqui, ela é outra e é também ela mesma: mais sonora, mais arraigada. Não aparecem a reticência nem o temor.
Um capítulo à parte na literatura pianística de Schubert são os seus "impromptus" ou improvisos. Formas musicais breves, isolados formalmente uns dos outros, são o veículo expressivo ideal para esse compositor romântico.
A pianista apresenta uma leitura quase minimalista do "Impromptu nº 1", que enfatiza a arquitetura musical. Foge, sempre que possível, dos efeitos.
No nº 4, de maior riqueza formal, mais dramático, quase o embrião de uma sonata, combina, em igual medida, o par de opostos sutileza e eloquência.
No terceiro disco, que traz música para piano a quatro mãos, o que mais chama a atenção é a "Fantasia D. 940". Nota-se aí uma certa tendência lisztiana dos pianistas: as frases são cortantes.
Maria-João Pires é uma pianista original, com opiniões definidas acerca das peças que toca. Pode-se discordar. Mas não se pode resistir a seu poder musical.

Disco: "Sonata D. 960 e "Impromptus" D. 899 nºs 3 e 4", de Schubert
Artista: Maria João Pires

Disco: "Sonata D. 894 e "Impromptus" D. 899 os 1 e 2", de Schubert
Artista: Maria João Pires

Disco: "Fantasia D. 940; 3 marchas militares D. 733; Rondos D. 608 e 951", de Schubert
Artista: Maria João Pires e Hüseyn Sermet
Lançamentos: Erato
Quanto: R$ 25 cada, em média (importado)

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