São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
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Brasileiros pedem ajuda para libertação

BETINA BERNARDES
DE PARIS

Magro e com fundas olheiras, o geólogo francês Alain Fablet, 45, era a expressão do abatimento e, ao mesmo tempo, do alívio ontem.
Na entrevista que concedeu à Folha, o ex-refém da guerrilha esquerdista das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) disse estar preocupado com o destino dos dois brasileiros que continuam em poder do grupo nas matas colombianas.
"A situação naquela região está cada dia mais perigosa. Se os guerrilheiros se sentirem ameaçados pelas ações do Exército, não hesitarão em matar os reféns", disse.
Os engenheiros Demétrio Mendonça Duarte, 38, e Eduardo Batista Resende, 39, foram sequestrados em agosto.
Eles trabalhavam na construção de uma estrada ligando Villavicencio a Bogotá como diretores de projeto. Os dois são funcionários da construtora Andrade Gutierrez.
Sequestrado em outubro, o geólogo de 45 anos foi solto mediante o pagamento de resgate por parte da empresa em que trabalha, a Coyne et Bellier. "Não desejo que o pior dos meus inimigos passe pelo que passei. É abominável."
Leia abaixo trechos da entrevista.
*
A CAPTURA - "Fui pego por acaso, não era uma pessoa visada, ao contrário do Eduardo e do Demétrio. Os guerrilheiros estavam retirando dinheiro de um furgão que eles haviam interceptado e eu passei de carro na hora. Eles me obrigaram a parar e a conduzi-los por uma rota. Quando perceberam que eu era estrangeiro, acabaram me tomando como refém.
Com os brasileiros, foi diferente. A guerrilha rendeu um grupo de trabalhadores e exigiu identificações. Eles tinham os nomes dos dois em uma lista, foram escolhidos a dedo. Como diretores de projeto, eram alvos preferenciais."

O CATIVEIRO - "Primeiro, fiquei em uma cabana de madeira no meio da floresta que tinha várias celas isoladas. Havia eu, os dois brasileiros e três reféns colombianos. Não podíamos nos comunicar. Cada refém era colocado sozinho em uma cela, com exceção do Demétrio e do Eduardo, que ficavam juntos. Isso os ajudou, porque eles podiam conversar. Eu procurava me distrair ouvindo os dois e tentava relembrar o português, que aprendi na África."

MARCHAS NA MATA - "Depois de cerca de um mês na cabana, uma patrulha do Exército parou muito próximo ao local. Houve afrontamentos, e os guardas do esconderijo nos fizeram sair. A partir daí, nos tornamos itinerantes. Não havia mais um lugar fixo. Passamos a fazer longas marchas com os sete guerrilheiros que nos guardavam. Os deslocamentos eram feitos em geral à noite.
Ficávamos em casas abandonadas que encontrávamos no caminho. Quando não havia essas casas, dormíamos no chão, com a coberta que eles dão a cada refém no dia em que se chega. Junto com os cobertores, recebíamos uma calça, uma camisa e sapatos."

ALIMENTAÇÃO - "Fazendo longas marchas, só se come quando há tempo. As refeições eram invariavelmente lentilhas com arroz e banana ou batata com macarrão. A água é de poças ou riachos. Foi durante as marchas que me tornei amigo de Demétrio e Eduardo. Quando se está na faixa dos 40 anos de idade, nosso caso, é duro suportar as subidas e descidas de montanhas a uma altitude de 1.500 m a 3.000 m. A respiração fica difícil, e o coração não aguenta. Às vezes Demétrio e Eduardo me ajudavam. Eles me carregaram."

SAÚDE - "Emagreci muito, e Demétrio e Eduardo também estão bem mais magros. Comendo o que comíamos e bebendo aquela água, havia problemas de diarréia.
Há muitos insetos e cobras no meio da mata. Também faz muito frio, nem sempre era possível tomar banho, embora os guerrilheiros tenham nos dado sabão e escovas de dentes."

AMEAÇAS - "O primeiro grupo de guardas na cabana era muito perigoso, fazia constantemente ameaças de execução. O segundo grupo, que acompanhava os deslocamentos, era mais disciplinado.
Como eu, Demétrio e Eduardo éramos calmos, eles nos tratavam bem. Os guerrilheiros também não batem nos reféns, mas tudo depende muito das condições em volta. É preciso tomar cuidado nas marchas porque, se você se ferir e não puder mais caminhar, eles te executam. Para eles, você é só mais um refém e pode ser substituído.
Os guerrilheiros são meninos de 18 anos, que foram recrutados aos 13, 14. Não têm instrução e não sabem justificar por que estão ali."

LIBERTAÇÃO - "No dia em que soube que seria liberado, dei a notícia ao Eduardo e ao Demétrio. Eles me abraçaram e me pediram para fazer contatos pela sua libertação. Não há notícias da família, e isso os inquieta muito. Procurávamos não falar sobre esse assunto para não ficarmos deprimidos.
No dia em que fui liberado, começaram operações militares na região. Tenho certeza de que, se os guerrilheiros se sentirem ameaçados, não hesitarão em matar."

FUTURO - "Agora, pretendo ficar algum tempo sem trabalhar e passar por um exame médico completo. Embora também esteja me sentindo bem, estou convencido de que preciso de um acompanhamento psicológico. Quero descansar muito e espero ver rapidamente o Eduardo e o Demétrio no Brasil. Quem sabe podemos até trabalhar juntos?"

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