São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
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Corrida ao progresso

HERALDO MUÑOZ

Recentemente, numa visita ao Brasil, o ex-presidente dos EUA Jimmy Carter fez declarações que receberam grande atenção da imprensa nacional, em relação a uma corrida armamentista que seria supostamente desencadeada pelo Chile, caso o governo chileno comprasse aviões de caça F-16 dos EUA.
Além do mais, o ex-presidente americano sustentou que o Chile e a Argentina têm disputas de fronteiras muito preocupantes e que a Constituição chilena dedica anualmente às Forças Armadas 10% do total arrecadado com as vendas de cobre, o que poderia alterar o clima de paz e até provocar uma guerra entre a Argentina e o Chile.
Infelizmente, as declarações do ex-mandatário americano baseiam-se em informações erradas e discrepam da realidade na América do Sul.
Em primeiro lugar, ainda que não exista uma decisão chilena de comprar aviões F-16, que por sinal não estão à venda, chama a atenção que a eventual compra de aviões por parte do Chile possa gerar um desequilíbrio ou corrida armamentista, quando em tempos recentes países amigos como Brasil, Peru e Argentina têm feito ou estão planejando importantes investimentos em reposição e modernização de equipamento militar, incluindo barcos de guerra britânicos, caças-bombardeiros F-16, aviões de caça Fulcrum Mig-29, aviões A-4 M Skyhawk e outros materiais.
O Chile não participa nem participará de corrida armamentista alguma. O país tem uma política prudente de reposição de equipamentos bélicos antigos, a qual é também um processo normal e permanente nos países da América do Sul, de acordo com suas respectivas políticas de segurança externa.
Mais ainda, o Chile tem reduzido seu gasto militar em relação ao produto, de 1,91% do PIB em 1996 a 1,78% do PIB em 1997, o que representa uma cifra de US$ 1,51 bilhão. Desse montante, o valor de US$ 1,16 bilhão provém da lei orçamentária do presente ano; US$ 119 milhões são o aporte fiscal a instituições descentralizadas das Forças Armadas (como o Instituto Geográfico Militar e o Serviço Hidrográfico e Oceanográfico da Armada); e ao redor de US$ 240 milhões, ou 0,28% do PIB, representam a contribuição da Lei do Cobre, mecanismo de financiamento que o ex-presidente Carter estima tão anormal, mas que é um componente regular e público do orçamento militar, que data dos velhos tempos democráticos anteriores à ditadura.
O Chile participa, sim, de uma corrida pela competitividade e pelo progresso, motivo pelo qual o governo investe seus recursos preferencialmente em educação, saúde e infra-estrutura -em vez de armas-, para assim combater a pobreza e atingir patamares dignos de desenvolvimento e justiça.
Por isso, o governo chileno gasta, somente em educação, US$ 3 bilhões anuais, o que representa mais do dobro do orçamento militar. O governo do presidente Eduardo Frei está atualmente promovendo uma grande reforma educacional, que envolve, além dos aportes financeiros, a extensão horária em 17% das aulas remuneradas, em relação às 3,6 milhões de horas de aulas hoje existentes no país, a construção de novas escolas, o aperfeiçoamento de 25 mil professores, prêmios anuais à excelência acadêmica e bolsas de estudo para mestres.
Por outro lado, a afirmação de Carter de uma hipotética corrida armamentista, que poderia levar a um conflito armado entre o Chile e a Argentina, não tem sustentação em condições históricas objetivas.
A recuperação das democracias na América do Sul e o término da Guerra Fria, que privilegiava a lógica da segurança nacional e dos conflitos, têm significado o fim das tradicionais hipóteses de conflito na região.
A nova lógica da cooperação e da integração se reflete no Mercosul, ao qual o Chile hoje pertence como membro associado. O Chile não arriscará por aventuras armamentistas sua opção estratégica pelo Mercosul.
Além do mais, os investimentos chilenos na Argentina somam acima de US$ 7 bilhões, a zona central do Chile estará sendo abastecida em breve por gás argentino, vários novos corredores Atlântico-Pacífico estão sendo viabilizados através da cordilheira dos Andes.
Tudo isso expressa uma interdependência cada vez mais profunda entre a Argentina e o Chile. Finalmente, os dois países já resolveram recentemente 23 diferenças limítrofes de 24, restando somente um, que deverá ser ratificado pelos respectivos congressos.
Em suma, a América do Sul mudou. Hoje, num novo contexto internacional, o Chile e seus vizinhos sul-americanos estão mais interessados em progredir, competir economicamente, consolidar suas democracias, resolver seus graves problemas sociais e se integrar para enfrentar juntos o processo de globalização do que em comprar armas para aventuras militaristas que os nossos povos já rejeitaram no passado e que as novas condições históricas inviabilizam.

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