São Paulo, quinta-feira, 6 de fevereiro de 1997
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Paulo Francis

CARLOS HEITOR CONY

Roma - O ano está sendo cruel. Em duas semanas, aquele grupo pioneiro que se formou entre os intelectuais do Rio, não para almoçar com o poder, mas para combatê-lo, teve três perdas: Edmundo Moniz, Antonio Callado e, agora, a brutalidade da morte de Paulo Francis.
Em dezembro último, deu uma daquelas que só ele sabia dar: pegou o avião e veio visitar Jorge Zahar, que se recuperava de uma cirurgia. Chegou na sexta, foi embora no domingo. Ninguém como ele sabia ser amigo: ia até o fundo. Comprava brigas homicidas e declarava guerras devastadoras, nunca em causa própria, mas em defesa de um amigo ou de uma pessoa que admirava. O melhor que o adversário podia fazer era sair de baixo.
Cometeu injustiças em sua generosidade. Com o talento fora de série com que a natureza o dotou, nos últimos tempos ele citava de memória autores, datas e trechos que nem sempre estavam exatos, mas tinham sempre a ver com o que ele dizia. Devorando e dominando expressões culturais as mais variadas, foi um fenômeno em nosso jornalismo e uma referência de bom gosto em nosso tempo.
Conseguiu ser, com o mesmo brilho, autor e personagem. Estivemos juntos nas duas últimas vezes em que veio ao Brasil. Jantou em minha casa, com o Ruy Castro e o Fernando Pessoa, dei-lhe carona no final da noite, ele ficou deslumbrado com o mulherio noturno em torno do seu hotel.
Logo depois, num de seus textos do "Diário da Corte", prometeu por ele e por mim que escreveríamos um dia sobre essa fauna que ele considerou deslumbrante. Conversei sobre isso com o Ruy, que bem o conhecia. Ruy me espantou afirmando que Paulo era um suicida enrustido, de uma hora para outra pediria o boné e iria embora.
Aqui de Roma, fico sem detalhes sobre sua morte. Ele também amava Roma. Amava principalmente os amigos, causas, livros, quadros, teatro, cinema e música. Amava gatos e mulheres. Mas talvez não amasse a vida o suficiente para ficar mais um pouco com aqueles que também o amaram.

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