São Paulo, sexta-feira, 7 de fevereiro de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Vôo cego sem instrumentos
FÁBIO KONDER COMPARATO Num dos seus excelentes artigos, que esta Folha publica aos sábados, o embaixador Rubens Ricupero chamou a atenção sobre o fato de que, para países subdesenvolvidos de dimensão continental, como o Brasil, o atual processo de globalização econômica não é uma solução, é um problema.Esse tipo de país-baleia -ou país-monstro, como prefere denominar George Kennan-, para se inserir no movimento de integração econômica planetária, é obrigado a lutar em duas frentes: contra os concorrentes no mercado mundial e contra a desigualdade social de seu mercado interno. Ora, o Brasil deste final de século está perdendo terreno nas duas frentes de batalha. No campo do comércio exterior, que é o principal fator de crescimento econômico da atualidade, assistimos a um acentuado declínio de nossas exportações e ao aumento constante do déficit comercial, atingindo o recorde de US$ 5 bilhões em 1996. Ao contrário do que afirmam os economistas do governo, esse mau desempenho não é mera adaptação conjuntural a uma retardada política de abertura, mas sim o sintoma alarmante de perda de competitividade de nossos produtos no mercado exterior, pelo escasso ou nulo aumento de produtividade, pela baixa taxa de valor agregado. Até quando o Mercosul nos dará oxigênio para nos manter nessa sobrevida artificial? No plano da luta contra as desigualdades sociais do mercado interno, a situação não é menos alarmante. Nenhum país conseguiu vencer essa batalha fora de um contexto de sólido crescimento econômico. É possível aumentar constantemente o produto nacional sem reduzir a desigualdade social, como aconteceu no Brasil entre 1930 e 1980. Mas é impossível reduzir a desigualdade social sem crescimento econômico. Ora, a política antiinflacionária instalada no país desde 1994, pela sua exclusividade monetarista, sufoca inevitavelmente o crescimento econômico. Tanto a taxa de poupança nacional quanto a de investimento público e privado permanecem reduzidas pelo alto endividamento estatal, combinado com a mais elevada porcentagem de juros reais do mundo. O mais perverso, no entanto, como salientou o professor Antônio Corrêa de Lacerda neste jornal ("Reféns do 'stop and go'", 12/1), é o círculo vicioso criado entre o crescimento econômico interno e a situação de nosso comércio exterior: como a produção nacional está sendo rapidamente substituída por importações, fazer a economia crescer implica gerar déficits crescentes na balança comercial, o que põe em risco a estabilidade monetária e agrava a desigualdade social. É preciso fazer cessar o quanto antes esse vôo cego sem instrumentos. E o Brasil tem grandes trunfos para reverter o jogo. Dentre eles, como tem mostrado Celso Furtado nos últimos tempos, é de assinalar o valioso capital econômico e social que representa a imensidão das terras não cultivadas. Somos, hoje, para surpresa geral, o único país do mundo que consegue aumentar a ocupação laboral no campo: 4 milhões de novos trabalhadores rurais desde 1990. É indispensável e urgente dar um rumo a este país, antes que ele se perca nas brumas da história. É indispensável e urgente montar um projeto nacional de desenvolvimento que nos livre da maldição do curto prazo. É indispensável e urgente restabelecer um plano de vôo e enxergar mais longe do que a data das próximas eleições (ou reeleições). Diante da omissão de nossos governantes em cumprir a sua tarefa, que é pilotar o país (etimologicamente, "governante" significa "piloto"), a sociedade civil deve assumi-la diretamente. O êxito do empreendimento vai depender do acerto na metodologia das linhas de atuação, as quais poderiam ser as seguintes. 1) O patrocínio da elaboração do projeto deve caber a uma instituição nacional que goze de indiscutível prestígio e independência perante o governo e os partidos políticos; 2) a direção geral incumbiria a um pequeno grupo de pessoas dedicadas e competentes, sem ambições políticas pessoais; 3) as diferentes etapas de elaboração do projeto contariam com a supervisão de um conselho composto de personalidades eminentes, irmanadas naquela virtude cada vez mais rara: o amor ao Brasil; 4) o critério supremo de orientação dos trabalhos deve ser a ausência de dogmatismos ideológicos, a precisão nas propostas e a defesa intransigente dos valores de liberdade, igualdade e solidariedade. Que Deus nos ajude! Texto Anterior: REALIDADE; CORREIO ELEGANTE Próximo Texto: Compras nos sistemas públicos de saúde Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |