São Paulo, sábado, 8 de fevereiro de 1997
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Escola troca enredo por patrocínio

RODRIGO VERGARA
DA REPORTAGEM LOCAL

Escolas de samba de São Paulo estão vendendo seus enredos para a divulgação de produtos e marcas. No desfile deste ano, a publicidade chega até a ditar o enredo de algumas escolas.
Somados os patrocínios de oito das dez escolas do Grupo Especial, o desfile de Carnaval deste ano arrecadou entre as empresas, no mínimo, R$ 712 mil, para um custo total de cerca de R$ 6 milhões.
Nas escolas Águia de Ouro e Mocidade Alegre, por exemplo, o potencial comercial definiu a escolha do tema deste ano.
A decisão, porém, teve resultados opostos nos dois casos.
"Escolhemos um enredo comercial para caramba, tentamos contatos, mas é difícil. No ano que vem, na hora da escolha do enredo temos que escolher a empresa antes", diz Sidnei Carriuolo Antonio, 40, presidente da Águia de Ouro.
Carriuolo não esconde que o enredo sobre a história da soja foi escolhido porque a escola acreditava que seria fácil obter verba de fabricantes de óleo e de molho de soja.
"Procuramos até o Olacyr de Moraes (empresário que já foi conhecido como o 'rei da soja'), mas não conseguimos apoio."
Já na Mocidade, o enredo sobre Hans Donner, o designer responsável pelas vinhetas de programas da TV Globo, foi apresentado como uma mina de ouro, pelos patrocínios que poderia trazer para a escola.
Na realidade, a coisa não foi tão fácil, mas a doação pessoal e o prestígio do designer impulsionaram as finanças da escola.
"Sem a colaboração do Hans a gente não conseguiria levar o Carnaval deste ano. Esse vai ser o escape para o Carnaval de São Paulo", admite Elaine Cristina Cruz Bichara, 34, responsável pelo dinheiro da Mocidade.
A Gaviões da Fiel decidiu trocar de enredo no início dos preparativos para o Carnaval.
O tema inicial esolhido pela escola, que contaria a história do sertanista Orlando Villas-Boas, foi substituído pelo atual, "Mundo da Rua".
O motivo da troca foi a complexidade do tema inicial, mas o potencial comercial do desfile também pesou na decisão.
"Se você trouxer Villas-Boas na avenida, não vai trazer uma marca de cerveja, por exemplo. É bem mais difícil", diz Ariovaldo Aparecido da Silva, diretor da escola.
Criatividade
Para a maioria das escolas, é possível encaixar os patrocínios no desfile sem comprometer a idéia do enredo.
"É para isso que existe a criatividade, para transformar as coisas", diz Wagner Caetano, presidente da Unidos do Peruche.
O sambista brinca com a pressão comercial no samba paulista. "Olha, ainda dá tempo. Você me arruma um patrocínio que eu faço um carro alegórico", dizia ele, na última segunda-feira.
É esse raciocínio, por exemplo, que permite à Gaviões da Fiel pôr na avenida uma embalagem de Tenys-pé Baruel, produto para tirar mau cheiro dos pés e calçados, no enredo "Mundo da Rua". "Todas as escolas trabalham com esse vínculo com as empresas", diz Silva, da Gaviões.
Na mesma linha, a Vai-Vai, para falar de Minas Gerais, põe na avenida um bar com duas garrafas da cervejaria paulistana Antarctica, com quem mantém um contrato de cinco anos.
A escola tentou apoio de empresas mineiras, como a Fiat, e do governo do Estado, sem sucesso.
Mas apesar dos valores envolvidos e da exposição de marcas na avenida, algumas escolas resistem em assumir que comercializam os enredos, ao todo ou em parte.
"Uma diretoria não pode partir desse princípio. Tem que pensar antes em um Carnaval viável", diz Sólon Tadeu Pereira, da Vai-Vai.
Marko Antonio da Silva, 30, presidente da Tom Maior, diz que a venda dos enredos sofre resistência dentro da escola. "Nosso carnavalesco é completamente contra, mas não dá para evitar."

LEIA MAIS sobre o Carnaval em São Paulo nas páginas 3-4 e 3-5

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