São Paulo, domingo, 9 de fevereiro de 1997
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Pornografia também é cultura

GILBERTO DIMENSTEIN

Especializado em medicina alternativa, o Open Center, em Nova York, oferecia até o ano passado curso de masturbação, com classes separadas para homens, mulheres e casais. O sucesso era medido pela imensa fila de espera, apesar dos US$ 300 da matrícula.
Depois de cada palestra, sobre técnicas de relaxamento e fluxo de energia do corpo, proferida por Betty Dodson, psicóloga com PhD, as luzes da sala se apagavam, música suave, todos se estendiam no chão acarpetado.
Os alunos eram estimulados a respirar calmamente e concentrar a atenção nos gestos vagarosos de suas mãos, desviando do pensamento qualquer sensação de culpa; o ato coletivo serviria para testar e superar as inibições.
"É uma magnífica fonte de liberação", diz Dodson que, nos últimos 20 anos, tem promovido workshops, escrito livros e gravado vídeos sobre os benefícios da masturbação.
Localizado no Soho, o liberadíssimo bairro dos artistas em Nova York, o Open Center preferiu cancelar o curso, apesar do sucesso. Estavam com receio de que o centro fosse apontado como pornográfico, acuados pela onda moralista americana.
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Eles tinham razões para receio. Por muito menos, houve escândalo.
Em 1994, Joycelyn Elders, uma espécie de ministra da Saúde, apenas levantou a hipótese de que as escolas deveriam falar sobre masturbação com os alunos, desfazendo mitos. Diante da repercussão negativa, acabou deixando o cargo.
Os jovens são bombardeados diariamente com campanhas de televisão, com a mensagem de que, para evitar gravidez ou Aids, a melhor solução é total abstinência sexual. Sugerem que esperem até o casamento.
Número crescente de meninas se comprometem em cerimônias públicas a aguardarem a lua-de-mel. É um movimento que recebeu o apelido de "a revolta das virgens".
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Poderosos lobbies arrancam dos governos fundos para campanhas a favor da abstinência. Preocupado com sua reeleição, o presidente Bill Clinton separou US$ 75 milhões para esses programas.
Os grupos mais liberais se sentem acuados; afinal, Aids e gravidez precoce são obsessões nacionais.
Ao mistificar o sexo, a cruzada moralista tem transformado a pornografia numa das mais importantes manifestações culturais americanas.
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Em sua mais recente edição, a revista "US News and World Report" revela que a pornografia é um dos mais prósperos negócios americanos, envolvendo US$ 8 bilhões por ano. Apenas as linhas telefônicas de conversas eróticas faturaram US$ 750 milhões.
Por todo o país cresce o número de casas de strip-tease. Chegam a pagar cachês de US$ 80 mil mensais para as mais famosas strippers.
Num show de 20 minutos, ganham mais do que um professor universitário brasileiro em todo o mês; a única coisa em comum é que se aposentam quase com a mesma idade.
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Uma publicação intitulada "Adult Video News" informa que, em 1985, o aluguel de vídeos pornográficos nos EUA rendia US$ 75 milhões por ano. No início da década de 90, pulou para US$ 490 milhões. Ano passado, bateu nos US$ 665 milhões.
As TVs a cabo deram um empurrão milionário nessa produção cinematográfica. Em 1996, os americanos pagaram US$ 170 milhões para ver filmes pornográficos.
Só no ano passado foram lançados 8.000 novos títulos, ou seja, média de 21 por dia. O cachê médio de uma atriz média é, hoje, US$ 10 mil, exigindo mais transpiração do que inspiração.
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A pornografia é o resultado, entre outros fatores, da falta de educação sexual nas famílias e escolas. As crianças correm o risco de virar vítimas do irrealismo moralista ou promiscuidade comercial, duas faces da moeda da desinformação.
Aulas sobre sexualidade nas escolas são tão importantes como matemática ou português, especialmente para os mais pobres, cujos pais não sabem como transmitir esse tipo de informação.
Insisto: a gravidez precoce é um dos mais graves problemas nacionais e não vem merecendo a devida atenção.
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Por ser uma estudiosa em assuntos reprodutivos, sensível aos direitos da mulher no geral, e das crianças em particular, a primeira-dama Ruth Cardoso deveria estar ajudando a levantar mais a bandeira da educação sexual -mesmo correndo o risco de atritos com a Igreja Católica.
Para não ser injusto: o governo é apenas parte do problema. Os meios de comunicação pouco ajudam; deveriam estar bancando campanhas de esclarecimento e tratando do tema nas novelas, um marketing social que costuma ter mais efeito do que portarias oficiais.
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PS - No Brasil são realizadas experiências modelares de educação sexual, quase não são conhecidas. Tenho informações sobre algumas delas, com os nomes e telefones de contato.
Projetos treinam professores para ensinar sobre sexualidade em salas de aula ou comunidades carentes, com ótimos resultados. Quem tiver interesse, posso mandar dados por e-mail.

Fax: (001-212) 873-1045
E-mail gdimen@aol.com

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