São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997
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Empresas emprestaram contas por 0,2%

SILVANA QUAGLIO
FRANCISCO CÂMPERA

SILVANA QUAGLIO; FRANCISCO CÂMPERA
DA REPORTAGEM LOCAL

Corretoras pagaram cerca de R$ 300 mil a empresários para movimentar dinheiro de papéis públicos

As empresas que participaram do esquema de negociação de títulos públicos que a CPI dos Precatórios investiga em Brasília receberam comissão de 0,2% sobre o valor de cada operação que realizaram.
Segundo documentos obtidos pela Folha e informações do Banco Central, entre julho de 94 e dezembro de 95, a corretora Negocial registrou prejuízo de R$ 166,3 milhões em contratos de investimentos firmados com 36 empresas. Estas empresas teriam rateado algo em torno de R$ 300 mil.
Os títulos investigados pela CPI pertenciam à Prefeitura de São Paulo e aos Estados de Alagoas, Santa Catarina e Pernambuco.
A maioria das empresas ouvidas pela Folha alega desconhecer as operações, mas a reportagem obteve um contrato, recibos e cópias de extratos da conta de uma empresa na agência do Beron (Banco de Rondônia) em São Paulo, que indicam o caminho percorrido pelo dinheiro. O dono da empresa não quis se identificar.
Os documentos (ver quadro ao lado) mostram detalhes do esquema usado pela distribuidora de valores Negocial para fazer sumir o lucro apurado com suas operações no mercado. A distribuidora teve lucro de R$ 168 milhões entre junho de 94 e dezembro de 95.
A Negocial nega que tenha comercializado títulos emitidos para o pagamento de precatórios, mas no mercado financeiro a empresa é conhecida por ser muito ativa na negociação de títulos públicos.
Segundo informações da CPI, a Negocial aparece nas operações.
Também aparecem com frequência o banco Vetor e a IBF Factoring -esta, uma empresa de fachada que lucrou pelo menos R$ 35 milhões com as operações.
O esquema na agência paulistana foi desvendado pelo Beron no ano passado. O banco está sob intervenção do BC desde 1995. Os auditores do próprio Beron desconfiaram do volume de cheques que transitava diariamente pela agência em São Paulo.
Eram quatro mil cheques por dia. O volume equivale ao movimento registrado pelo banco em todo o Estado de Rondônia ou ao de uma grande agência do Banco do Brasil em São Paulo.
Segundo documentos do Beron, o esquema era operacionalizado pelo ex-gerente da agência paulista João Maury Harger Filho. Segundo empresário que participava do esquema, Harger Filho levava comissão de 1% depois de apresentar clientes do Beron para a Negocial e executar as operações.
A Negocial fazia contratos de investimento com pequenas empresas de vários setores, que não tinham capital nem porte para fazer aplicações no mercado financeiro. Essas aplicações eram, por exemplo, operações conhecidas como hedge em moeda estrangeira.
O documento obtido pela Folha refere-se a um investimento de R$ 250 milhões em contratos futuros de taxa de câmbio. A empresa, segundo o dono, chegou a faturar R$ 800 mil nos seus melhores meses de trabalho.
Uma cláusula do contrato prevê a quebra unilateral do acordo mediante pagamento de multa. Foi o que aconteceu com o pretenso investimento milionário. Em vez de R$ 250 milhões circulou apenas R$ 1,8 milhão.
A Negocial depositou a quantia na conta da empresa no Beron no dia 8 de fevereiro de 95. O depósito, feito mediante vários cheques, foi liberado para a conta no mesmo dia, fato incomum.
No mesmo dia 8 de fevereiro, o dinheiro saiu da conta em 25 cheques. Segundo o empresário, o negócio teria rendido 7% para a Negocial (pouco mais de R$ 130 mil), R$ 19 mil para Harger Filho e R$ 3.800 para ele.
Em outra operação da Negocial com a mesma empresa, a multa de R$ 5.090.800 foi depositada dia 18 de janeiro de 95. Novamente, o dinheiro todo saiu no mesmo dia. Foram 13 cheques. O maior deles, de R$ 1.276.500, foi parar na conta do "laranja" Saturnino Ramirez Zarati no Paraná Banco.

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