São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997
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Tudo é carnaval

LUÍS PAULO ROSENBERG

Qual o samba-enredo vencedor no nosso quadro econômico atual?
Estabilidade de preços e retomada do crescimento. Aquilo que parecia impossível há três anos, hoje é uma realidade sem artificialismos: o Brasil pode crescer 5% ao ano com inflação anual próxima desse número.
Qual a grande atravessada do samba?
A tibieza do governo em persuadir a sociedade de que sem a modernidade da economia pode haver refluxo das conquistas alcançadas. E não falo aqui meramente de aprovar emendas constitucionais, cuja dificuldade natural permite debitar ao Congresso o atraso no cronograma do Real.
Assim, este governo jamais encampou a tese de que se deve encolher a máquina federal. Fernando Henrique Cardoso e sua equipe tiveram sob seu comando a execução dos três últimos orçamentos fiscais da União. Até 93, quando Collor dava as cartas, tivemos superávit operacional. Desde então, a situação só fez deteriorar-se, apesar do crescimento espetacular da arrecadação federal no período.
Outro exemplo: a proposta de reforma previdenciária proposta pelo Executivo e totalmente destruída pela Câmara já era ridícula. De fato, o mundo todo já se deu conta de que a privatização é o único caminho para garantir ao trabalhador que seu pecúlio estará assegurado na velhice. Pois bem, o governo jamais ousou lançar uma proposta de solução do impasse previdenciário que tivesse na gestão privada das contribuições a sua pedra de toque.
A própria abertura da economia é continuamente torpedeada pelo governo. Ora é a maldita política de proteção às montadoras de veículos, ora é a manifestação de Fernando Henrique na Europa de que nosso processo de abertura foi muito rápido (como se esperar 490 anos para começá-lo já não fosse tempo suficiente para que o empresário local adquirisse condições de vender aos preços praticados no resto do mundo).
Este governo trata abertura econômica como se fosse uma concessão necessária que se fez aos interesses estrangeiros e não como a única ferramenta que existe para garantir às classes de baixa renda daqui o acesso barato aos bens de consumo.
Quais as grandes ameaças que pairam sobre o desfile das escolas?
A de mais curto prazo é a resolução do enigma sobre nossas contas comerciais. As exportações de janeiro deram um sinal positivo de reação, mas as importações continuam a preocupar. Se a taxa de crescimento dos importados não cair logo para menos de 20% ao ano, estará consolidado um clima de desconfiança que poderá forçar o governo a mudar a atual política cambial, queira ou não queira. Só o tempo dirá qual a gravidade desse quadro.
A ameaça de longo prazo é a inação estrutural. Se não reduzirmos a carga tributária, os custos financeiros, os encargos trabalhistas, as despesas do empresário com transporte, armazenagem e serviços públicos em geral, não estaremos mais falando de ameaça, mas sim de certeza de fracasso: o produtor local estará inviabilizado. Já perdemos três anos nessa tarefa, com baixas pesadas provocadas pelas falências e absorção de empresas nacionais inviabilizadas pela política econômica incoerente que seguimos: déficit público, juros excessivos, reajustes tarifários e paralisia na modernização da infra-estrutura.
Qual o imponderável, nas mãos da comissão julgadora?
O cenário internacional. Por enquanto, céu de brigadeiro, com Bolsas nos níveis mais altos e juros nos mais baixos. Tanto otimismo estimula a ousadia, que pode evoluir para o temerário e daí para a leviandade, num clima de terça-feira gorda mundial. Fluxos inauditos de recursos financeiros são alavancados na busca por abocanhar mais riqueza, mais rapidamente. Típico cenário de pré-colapso, na evidência do passado. Vamos crer (torcer?) que hoje, com os instrumentos de ação coletiva desenvolvidos pelos governos do Primeiro Mundo, a situação continuará sob controle.
Se não, independente de como estejamos desfilando no Brasil, faltaria cinzas na quarta-feira negra que viria.

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