São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997
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Liberalizando a flutuação cambial

MARCELO PETERSEN CYPRIANO

Uma das críticas mais persistentes à política econômica recente é a apreciação da taxa de câmbio. O Banco Central, fora do mercado em 1994, levou rapidamente o câmbio para R$ 0,85, onde ficou por seis meses. A pergunta, à época, era como trazê-lo de volta à paridade.
Quase dois anos depois, a política de desvalorizações trouxe o dólar para cima -sem crises-, até R$ 1,045, mas traz um princípio de instabilidade pela primeira vez. Vejamos por quê.
No semestre passado, o consumo e o investimento recuperaram-se, acompanhados do aumento do déficit externo nas transações correntes. O Brasil padece do problema clássico da poupança pequena para o investimento realizado: surge um déficit externo que cria a desconfiança da sustentabilidade da taxa de câmbio a longo prazo, ou pior, da tentação do Bando Central de trazê-la para cima como objetivo de política.
O princípio de instabilidade recém-surgido deriva justamente do último. Cerca de 20 meses de minidesvalorizações da intrabanda mostraram que o Banco Central pode colocar o câmbio literalmente onde quiser, desde que tenha tempo para agir paulatinamente, sem instabilizar demasiadamente o mercado.
A desconfiança surgida desde outubro, refletida no mercado futuro da cotação do dólar para depois de abril, é que o Banco Central utilize-se desta flexibilidade e opte por pegar a economia crescendo no segundo semestre com o câmbio mais desvalorizado.
Essa expectativa acentuou-se pela iminência de alguma mudança nos próximos 45 dias, ao esgotar-se a atual política encostando o teto da intrabanda na banda larga. Uma boa experiência para estancar essa desconfiança seria alargar o espaço para flutuação cambial. Pode haver somente uma banda larga ou manter-se uma intrabanda maior, que retire o Banco Central de cena por um bom tempo.
A oferta e procura de dólar vai refletir, de um lado, o superávit na conta de capital do balanço de pagamentos -que repetiu US$ 30 bilhões nos últimos dois anos, e o aumento esperado neste ano no investimento estrangeiro compensa as maiores amortizações- e, de outro, o déficit nas transações correntes- que, de US$ 17,8 bilhões, passou para US$ 24,3 bilhões no ano passado, projetando-se US$ 27 bilhões neste ano.
Dado o superávit, é provável um passeio do câmbio pelo limite inferior da banda, no lugar da acumulação de mais reservas no Banco Central. O dólar baixando pela atuação do mercado seria um movimento que estabilizaria de vez as expectativas e a economia.
Seria conveniente a fusão simultânea do mercado de câmbio de taxa flutuante com o de taxa livre, de maneira a formar melhor a taxa de câmbio e evitar a situação do Banco Central comprador no mercado livre e vendedor no flutuante. O Brasil adotaria o regime cambial mais convencional dos últimos tempos: taxa de câmbio unificada e flutuante, dentro de certos limites que lhe permitem refletir seu valor correto face à composição do balanço de pagamentos.
A possibilidade de valorização cambial, quando espera-se déficit de US$ 1 bilhão ao mês, parece inconveniente, mas o crescimento das exportações em 1996 -que passou de 16% no primeiro bimestre para -2% no último, quando o consumo e investimento haviam recuperado- mostra a restrição na insuficiência de capacidade produtiva para atender o mercado interno e exportar crescentemente ao mesmo tempo.
A apreciação cambial, caso ocorra, diminui o custo do investimento em capacidade produtiva exportadora para o brasileiro, além de atrair mais dólares pela valorização dos ativos domésticos para os estrangeiros.
Uma experiência assim é bem menos arriscada do que possa parecer. Existe o mercado futuro para conferir as expectativas. Caso o futuro do câmbio acentue a alta dos últimos meses a um ponto crítico, o Banco Central pode voltar com a intrabanda estreita e mostrar que seu objetivo é ter um câmbio estável.
Ao alargá-la novamente, é provável que o futuro baixe, e o mercado fique "bonito", como é chamado no jargão. Uma parte da preparação no lado monetário já foi feita: cortes diferenciados da TBC e da TBAN alargaram o espaço de flutuação das taxas de juro over Selic e CDI no caso de oscilações maiores no câmbio -desculpem a tecnicalidade.
O importante é que o Banco Central, agindo assim, elimina a possibilidade de política discricionária de sua parte e sinaliza mais claramente que deseja um câmbio estável, que seja capaz de flutuar para cima, caso a oferta de financiamento seja insuficiente para o tamanho do déficit, ou para baixo. O caso de nova apreciação excessiva pode ser corrigido por um ajuste fino na taxa interna de juros. Trata-se de transformar um problema em solução.

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