São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997
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O mais inteligente brasileiro

LUÍS NASSIF

Em 1964, quando Octávio Gouvêa de Bulhões -talvez o mais importante economista brasileiro da história- arregimentou o grupo de técnicos incumbidos de modernizar o Estado brasileiro, a equipe se dividia. Metade achava que o mais inteligente brasileiro vivo era José Luiz Bulhões Pedreira, responsável pela parte jurídica das reformas. Metade, Mário Henrique Simonsen, responsável pela modelagem financeira.
De fato, a inteligência de Simonsen era luminosa e múltipla, do texto irrepreensível ao raciocínio lógico e brilhante, passando por um conhecimento matemático imbatível.
Quando a democratização reabriu o debate econômico, tornou-se antológica sua capacidade de enfrentar debates ferozes sem perder a fleuma nem se desviar da razão, sem buscar os holofotes das declarações bombásticas nem recorrer a radicalismos retóricos.
Embora relativamente jovem, tornou-se um desses sábios referenciais, ao qual recorriam praticamente todos os governantes e ministros da Fazenda.
Guru financeiro
Nos últimos anos, tornou-se o guru da geração de economistas que passam a ver economia sob a ótica do mercado financeiro, pelo seu empenho em combater toda forma de populismo, e em defender os primados da ortodoxia econômica.
Se era imbatível para encontrar soluções tópicas para problemas econômicos -formular uma lei salarial desindexada, modelar a correção monetária, pensar a lógica financeira do Sistema Financeiro da Habitação, opinar sobre medidas de governo-, ao longo da vida Simonsen exerceu funções para as quais não estava habilitado.
No governo Geisel, foi um ministro da Fazenda sofrível. Auxiliares diretos exasperavam-se com sua incrível incapacidade para tratar com assuntos práticos. Qualquer processo que batesse em sua mesa lá ficava.
Sua inaptidão era tamanha que nos primeiros tempos de governo o dia-a-dia econômico era tocado pelo presidente do Banco Central, Paulo Lyra. E, até o final do governo, o ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Velloso definiu as políticas de longo prazo. Tudo isso, tendo relações muito estreitas com Geisel. O mais inteligente dos brasileiros, o economista de reputação internacional, jamais havia conseguido superar o trauma da orfandade. O marechal de ferro jamais superaria a perda do filho primogênito.
Consolidaram relação de pai para filho, formal, de poucas palavras e poucos gestos, perceptível apenas para os muito íntimos.
Entendimento
Se era o mais inteligente dos economistas brasileiros, não se pode dizer que tenha sido o economista a melhor entender o país. Sabia como ninguém indicar o modelo de uma economia moderna de mercado, mas não os caminhos para se chegar lá. Não demonstrava vontade de entender os sucessivos estágios do país, no plano econômico, político ou cultural, para formular estratégias de avanço, nem se interessava por temas que transcendessem a mera ortodoxia econômica -mas que são fundamentais para a implementação de qualquer política econômica, como Congresso, opinião pública, interesses setoriais etc. Para seu espírito britânico, causava enfado pensar o Brasil desequilibrado, não racional, mas que condicionava a busca do Brasil moderno.
Era uma espécie de sábio renascentista, que parecia se encantar apenas com situações de equilíbrio. As diversas manifestação do seu gênio -na economia, na matemática, na música e no xadrez- eram sintomáticas desse fascínio permanente pelo equilíbrio, incompatível com a análise de situações de caos, característica principal das profundas transformações que o país atravessou nas últimas décadas.
Faltava-lhe a capacidade de observação da realidade e a chama criadora de um Ignácio Rangel, o senso histórico de Celso Furtado, a visão prática e estruturada de Gouvêa de Bulhões, a tenacidade de Roberto Campos, o ecletismo de Delfim Netto, a visão prospectiva dos economistas que assumem os modernos bancos de negócios.
Mesmo assim, morre como um referencial importante de idoneidade intelectual. E com a fama merecida de o mais inteligente brasileiro de seu tempo.

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