São Paulo, terça-feira, 11 de fevereiro de 1997 |
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Bioy Casares revela sua alma
RODRIGO BERTOLOTTO
As mortes de sua mulher, de sua única filha, de seu amigo Jorge Luis Borges, as dores nas pernas e o rótulo de ser o maior escritor argentino vivo não abalam sua produção. "Essa é minha máquina de escrever, meu computador", diz, puxando uma caneta de dentro do paletó. "Sou um aposentado do amor. As mulheres não me olham mais, pareço transparente", queixa-se o escritor que tem fama de Don Juan entre seus colegas. Bioy Casares parou a correção de seus diários de viagens, a serem editados neste ano, para receber a Folha para esta entrevista. * Folha - Como é continuar criando aos 82 anos de idade? Bioy Casares - Bom, em Buenos Aires é difícil, tenho muitos compromissos, e isso toma meu tempo. Aqui fico triste, pensando que, ao longo da vida, sempre só tenho dez ou 11 histórias para contar. Mas, quando viajo à Europa tudo funciona. Por exemplo, em quatro noites mal-dormidas em Paris, me ocorreu a idéia do último livro. Escrevi um resumo dele em 40 dias na França. Folha - A literatura fantástica parece que não lhe satisfaz mais. O sr. quer adotar outro gênero? Bioy Casares - Teria de me distanciar da literatura fantástica. Meu último livro é uma ficção científica, um gênero que eu não gosto muito, mas que, por vezes, caio. Minha mente está acostumada a imaginar histórias fantásticas. Queria domá-la. Folha - Seu recente hábito de ver televisão substituiu o costume de passear pela cidade? Bioy Casares - Não. Por desgraça, não posso mais passear. A perna direita não me permite caminhar mais que 200 metros. O costume de passear tem uma origem meio absurda. Eu tinha muitas namoradas e não convinha me viram junto a qualquer uma delas. Então, eu as levava para bairros distantes. Folha - Essas andanças foram uma fonte de cenários e personagens para seus livros? Bioy Casares - "O Sonho dos Heróis", "Dormir ao Sol" e "Diário da Guerra dos Porcos" estão ambientados nos bairros do norte e oeste da cidade. Os subúrbios são um pouco uma ilusão fantasmagórica de Buenos Aires. Não me propus a isso: foi uma consequência de minhas escapadas amorosas. Folha - Para os argentinos, escrever sobre seu bairro seria a forma de ser universal? Bioy Casares - Sim. Eu cantei muitos bairros. Mas também é argentino o campo. Folha - O sr. fez vida de estancieiro. Como foi a vida no campo? Bioy Casares - Fiquei dez anos. Fui um péssimo administrador. Fui para a literatura porque gosto, depois eu vi que me convinha. Folha - A situação econômica de sua família, como a de Borges, decaiu com o tempo. Se pode fazer um paralelo com a história do país, que viveu seu auge no início do século e está hoje empobrecido? Bioy Casares - Olha, é mais fácil gastar que adquirir. Gastei muito e estou cada vez mais pobre. O progresso na Argentina dos anos 20 parecia não parar. Os governos se encarregaram de mudar o destino do país. Folha - Há algum livro seu que seja o preferido? Bioy Casares - De nenhum livro meu gosto completamente. O ideal seria sentar em uma cadeira bem cômoda, abrir um livro e lê-lo placidamente. Não consigo, sempre preciso de um lápis vermelho para corrigir. Folha - Então, por que Borges usou o adjetivo perfeito para qualificar "A Invenção de Morel"? Bioy Casares - Borges escreveu que a trama era perfeita, mas o que ele diz de um lado nega pelo outro. A trama era perfeita, mas talvez meu estilo não. Minha grande obra é "O Sonho dos Heróis". Fui melhorando. A primeira edição de "A Invenção de Morel" era muito ruim. Folha - Existe uma rivalidade entre o sr. e "A Invenção de Morel"? Bioy Casares - Um pouco. Estou cansado desse livro. Insistem muito com ele. Os críticos não se deram conta que "Dormir ao Sol" é melhor, é mais honesto. Eu não sou trágico de alma, e "A Invenção de Morel" é um livro doloroso. "Dormir ao Sol" é mais sorridente e corresponde mais a meu temperamento. Sou uma pessoa de mente pessimista, mas de temperamento otimista. Folha - O que anda lendo? Bioy Casares - Leio muito Leonardo Sciascia e literatura italiana. Folha - Uma crítica sua afirma que o italiano Italo Calvino tinha problema para achar um final para seus livros. Bioy Casares - São muito importantes os finais. E, não sei por qual motivo, Calvino começava bem os relatos, mas se dava mal com fecho de seus livros. Ele se conformava com o que ia inventando, deixava para depois o nexo e terminava de qualquer jeito. Folha - Na literatura argentina parece que sempre houve uma trincheira dividindo dois grupos. Grupo de Calle Florida e Grupo de Calle Boedo. Borges e Ernesto Sábato. Bioy Casares - Aquilo é uma piada. As rixas se faziam de comum acordo para que houvesse mais interesse. Só para animar. Folha - O que opina das adaptações de seus livros para o cinema? Bioy Casares - Em geral, não gosto. Agora, há um projeto para "A Invenção de Morel". Gostaria que fossem filmes para todo público, mas os diretores tendem a fazer filmes de cinemateca. Gostaria que pensassem como um garoto que se diverte com um livro e imagina um filme. Próximo Texto: Autor diz ter sido bom atleta Índice |
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